Como se comporta um sobrevivente
Como se comporta um sobrevivente
O grupo a que o celacanto pertence, os Crossopterígeos, está muito próximo da origem de todos os vertebrados terrestres, apesar dos peixes pulmonados e os seus parentes serem hoje em dia considerados como os que estão na linha de ascendência mais directa dos tetrápodes, grupo de vertebrados que compreende os batráquios, os répteis, as aves e os mamíferos. Embora o celacanto tenha barbatanas lobuladas — que de certa forma podem ser vistas como semelhantes a pernas —, acabou por surpreender os cientistas ao não apresentar nenhuma das características anatómicas que eles esperariam de um elemento de ligação entre os animais aquáticos e os terrestres.
O celacanto detém uma impressionate fileira de órgãos e funções que continuam ainda hoje a fascinar os pesquisadores, de que são exemplos o seu órgão rostral absolutamente único, uma válvula em espiral no intestino, a retenção da ureia no sangue — tal como os tubarões —, uma articulação mesmo no topo da cabeça, um cérebro minúsculo, sete barbatanas lobuladas, uma corda dorsal oca como espinha vertebral — ao contrário das vértebras segmentadas dos peixes teleósteos —, olhos, pâncreas e fígado como os dos tubarões mas sendo a cabeça ossuda e blindada, um sistema gingão único de nadar — remando alternadamente com os seus pares de barbatanas e dando ocasionalmente uma estocada para a frente usando a sua forte cauda —, bem como um método reprodutivo peculiar que envolve a produção de 20 a 30 ovos que se desenvolvem no útero (com os primeiros a nascer a alimentarem-se provavelmente dos ovos remanescentes, outra similaritude com os tubarões).
Durante o dia, os celacantos vivem em profundidades entre os 150 e os 700 metros, o que nem é assim tão fundo se tivermos em conta que a profundidade média dos oceanos é superior a 3.000 metros e que a máxima vai bastante além dos 11.000 metros. Como têm a bexiga natatória cheia de gordura e não de ar, o seu corpo não fica vulnerável à descontinuação da densidade que provoca problemas de descompressão quando se tem de regressar à superfície.
O aspecto mais importante das condições de vida dos celacantos é que são muito sensíveis às temperaturas da água e à quantidade de oxigénio nela dissolvido: vivem em águas relativamente frias — entre os 12 e os 16°C — e altamente saturadas de oxigénio. As análises efectuadas em laboratório revelaram também que eles são bastante ineficientes a extraírem oxigénio da água por duas razões: o sangue apresenta uma reduzida contagem de hemoglobina e a superfície das suas guelras é bastante pequena relativamente às dimensões do corpo.
Assim, para conservarem a energia e reduzir a necessidade de oxigénio, permanecem praticamente parados nas suas cavernas durante o dia. À noite saem para caçar, movendo-se com lentidão e usando as correntes do oceano para se propulsionarem, um pouco à deriva e numa forma parecida com a utilizada pelos albatrozes, que deslizam usando os ventos marítimos. Aliás, foi precisamente por se suspeitar disto — que bastaria manter a água fria, a uma temperatura idêntica à do Oceano Atlântico ao largo de Cape Town, na África do Sul, e com uma elevada percentagem de oxigénio —, que durante muito tempo os aquários públicos mundiais estiveram convencidos de que conseguiriam satisfazer as suas exigência físicas de forma poderem mantê-los em cativeiro.
De facto, a sua dieta de peixe fresco e lulas seria relativamente fácil de arranjar. Só que hoje sabe-se que eles são animais gregários, sociáveis, pelo que seria necessário manter sempre vários exemplares juntos... Como o celacanto não é um peixe migratório, não consegue nadar rapidamente nem percorrer longas distâncias, pelo que deveria adaptar-se a um espaço relativamente reduzido. Durante várias décadas a comunidade científica estava convicta de que os celacantos se deixavam embalar nas correntes submarinas ao largo das Comores e iam até ao Cabo Delgado, no nordeste do litoral moçambicano, onde tanto poderiam subir ou descer a linha costeira.
Por outro lado, como os celacantos têm um baixo metabolismo, não precisam de comer durante períodos longos. Deste modo, caso se deixassem arrastar muito pelas correntes do Canal de Moçambique — que exercem sobretudo a sua influência em círculos e no sentido inverso ao dos ponteiros do relógio, descendo das Comores até Madagáscar e voltando ao ponto de partida —, depois de se terem alimentado durante uma noite, poderiam baixar às profundezas e abrigarem-se numa das inúmeras cavernas existentes naquela zona durante o regresso. Hoje em dia os especialistas admitem que é perfeitamente possível o peixe completar essa viagem em apenas 30 dias.
Todavia, do ponto de vista da etologia — ciência fundada há poucas décadas pelo alemão Konrad Lorenz, que chegou a ser galardoado em 1973 com o Prémio Nobel da Medicina e Fisiologia —, ainda há muitos «puzzles» por resolver acerca do celacanto. Como é que este peixe localiza as suas presas? Porque é que ele ocasionalmente, sem sair do mesmo lugar, se mantém de cabeça para baixo, ou então ao contrário, com ela a apontar totalmente para cima? E porque é que às vezes nada em posição invertida? Certos cientistas sugerem que este peixe usa a electrocepção para se orientar e localizar as presas, mas isso não está confirmado. Tal como ainda falta saber ao certo coisas tão simples como quanto tempo vivem, a taxa de mortalidade e o total das populações.