O grande tubarão branco: factos e mitos
O grande tubarão branco: factos e mitos
É apontado como o mais temível dos tubarões, uma qualidade que, convém que se diga, também não o injustiça: com efeito, não será certamente por acaso que o Carcharodon carcharias é igualmente conhecido como o «grande tubarão branco». Além das suas grandes dimensões e do facto de estar soberbamente adaptado ao ambiente marinho — esta espécie encontra-se geograficamente dispersa por todo o mundo, embora seja mais comum em águas temperadas — o tubarão branco é o mais poderoso predador da vasta família a que pertence.
Mas daí a ser um devorador de homens nato... Bem, há quem diga que eles nem sequer gostam de carne humana e afirme também que o que se deverá ter passado na maior parte dos ataques registados é que eles provavelmente confundiram os humanos com focas, o seu menu predilecto. Será?!? Pelo sim pelo não, se alguma vez tiver a sorte de mergulhar junto de um destes gigantes, mantenha-se dentro de uma jaula de aço. A sua agressividade natural — a do tubarão branco, bem entendido — não pode nunca ser menosprezada e assume-se como a principal razão pela qual só muito recentemente os cientistas terem começado a conhecer um pouco melhor o seu comportamento.
Segundo os especialistas, uma boa parte dos putativos defeitos que deram uma enorme notoriedade ao tubarão branco ao longo das últimas décadas ainda carecem de fundamento científico, pois só recentemente foi possível começar a construir um perfil objectivo desta espécie, incluindo a sua biologia, os habitats, os padrões migratórios e a vulnerabilidade das populações perante as capturas propositadas ou acidentais.
Porquê? Pura e simplesmente porque o grande tubarão branco é uma espécie particularmente difícil de estudar: não permite que os cientistas se aproximem dele sem estarem protegidos numa jaula, nada muito rapidamente e percorre enormes distâncias num abrir e fechar de olhos, etc. Perante estas dificuldades, diversas entidades públicas e privadas interessadas no estudo e na conservação da espécie decidiram unir esforços tendentes a melhorar a pesquisa e recolher mais informação, iniciando assim um estudo exaustivo dos tubarões brancos nas águas da Austrália. Pouco tempo após o seu arranque, em 1999, o estudo acabaria por ser alargado, passando a admitir igualmente a contribuição de pescadores — tanto de pesca comercial como recreativa —, de mergulhadores e até de surfistas.
Ou seja, face à extrema dificuldade sentida até à data na recolha de informações sobre esta espécie, o estudo passou a contar com as colaborações de todos os que, por permanecerem muito tempo na água, possam observar tubarões brancos. Quanto aos dados que se recolherem através deste projecto, servirão de material de base para que as autoridades australianas encarregadas da conservação dos recursos marinhos possam tomar decisões mais informadas quanto à gestão das povoações deste predador, que ocupa nas suas águas costeiras o lugar cimeiro da cadeia alimentar. Mas, resumindo, que sabemos nós nos dias de hoje sobre o grande tubarão branco? Na realidade, muito pouco, pois continua a haver inúmeros buracos por tapar no nosso cohecimento.
Brancos mas só por baixo
Os tubarões brancos são parentes muito próximos dos marrachos e dos arrequins e encontram-se classificados na família de tubarões Lamnidae. E se o subcontinente australiano é conhecido como um dos melhores lugares do mundo para observar tubarões brancos, a realidade é que mesmo nas suas águas eles são uma espécie relativamente invulgar. Em termos globais, onde se encontram mais tubarões brancos é no Oceano Índico, desde as costas da África do Sul até à Austrália, país onde podem ser observados numa área que se estende desde a costa setentrional, desde o sul de Queensland, até às águas mais a noroeste. Mas também podem ser encontrados em todo o Pacífico, incluindo no Hemisfério Norte.
As águas costeiras da Califórnia central, por exemplo, são tidas como uma atractiva coutada de caça para os tubarões brancos, que ali vão todos os anos, no Verão e no Outono. As Farallon Islands, um refúgio para a vida marinha a cerca de 27 milhas ao largo de San Francisco, é um local onde eles costumam ir para se alimentarem activamente. Como aí vivem e procriam quatro espécies de pinipedes — a foca-elefante do Norte, o leão-marinho da Califórnia, o leão-marinho de Steller e a foca vulgar —, é extremamente fácil para os tubarões brancos encontrarem comida. Além disso, relativamente perto dali, existem outras áreas onde conseguem também arranjar facilmente presas: Ano Nuevo State Reserve e Marin Headlands são apenas dois exemplos.
De acordo com os parcos dados sobre esta espécie recolhidos na Califórnia, tudo indica que no Verão os tubarões se alimentam de focas e de leões-marinhos ao longo da costa, indo, para Norte, até às águas do estado do Oregon e, ocasionalmente, ao Golfo do Alaska. Já no Outono, aparentam rumar para Sul e alimentar-se sobretudo junto às ilhas situadas mais ao largo da costa. Alguns especialistas acreditam que as fêmeas migram para a Baja California para dar à luz, mas isso ainda não está demonstrado. O que parece ser certo é que nos anos em que as águas dessa zona estiveram anormalmente quentes — devido ao El Niño —, se registou uma maior actividade predatória de tubarões brancos na Califórnia: entre 1983-84 e 1991-92, anos em que as águas do mar registaram os valores mais elevados da história recente, os registos dispararam.
Estes tubarões são uma espécie primariamente costeira e avançam frequentemente em águas muito rasas à procura de presas. Como espécie, são fáceis de identificar, pois têm uma forma tipo «torpedo» com uma boca pontiaguda e barbatanas peitorais particularmente grandes, tal como é também muito grande a primeira barbatana dorsal, que fica frequentemente fora de água quando nadam junto à superfície. Os seus olhos são grandes e negros e nas suas enormes mandíbulas estão embutidas, em forma de serra, fileiras de dentes compridos e triangulares. Quanto à sua cauda, é extremamente musculada junto ao corpo e tem uma forma em quarto crescente. Por último, os tubarões brancos só são brancos por baixo, na região ventral, pois no dorso são cinzentos ou cor de bronze.
O comprimento médio de um tubarão branco adulto é quase sempre superior a seis metros — podendo chegar aos sete —, sendo que um exemplar destas dimensões pode ultrapassar facilmente os 3.000 quilos de peso. Todavia, nas costas australianas o mais vulgar nos últimos anos tem sido encontrarem-se espécimes com entre três e quatro metros. Aliás, um dos maiores tubarões brancos registados nas águas deste país foi capturado acidentalmente por um pescador profissional em 1987 no Sul da Austrália, ao largo de Kangaroo Island: era demasiado grande para poder ser arrastado para a costa mas estima-se que o seu comprimento andasse próximo dos sete metros.
Comer os ovos inférteis no útero
Tal como sucede com a esmagadora maioria dos peixes, a idade dos tubarões pode ser determinada pelos anéis de crescimento nas suas vértebras, embora no caso dos tubarões brancos este método ainda esteja por validar. Os especialistas estimam que os tubarões brancos juvenis cresçam inicialmente cerca de 30 centímetros por ano, um indicador que leva a crer que os indivíduos com 5 a 6 metros de comprimento deverão ter provavelmente entre 15 a 25 anos de idade. Mas também ainda não foi possível confirmar isto.
Relativamente à reprodução do tubarão branco, também muito pouco se sabe. As fêmeas ficam sexualmente maduras com entre 4,5 e 5 metros de comprimento e, da mesma forma que acontece com todos os outros tubarões, a fertilização é interna. Elas produzem de cinco a dez alevins, que já saem cá para fora com entre 1,2 a 1,5 metros de comprimento, podendo pesar 32 quilos. Todavia, ao contrário do que se verifica com alguns tubarões, nesta espécie não há uma ligação placental com a mãe; ao invés, os embriões alimentam-se dos óvulos não fertilizados produzidos pela fêmea durante a gravidez. No entanto, convém salientar que até à presente data ainda foram examinadas muito poucas fêmeas grávidas. O período de gestação do tubarão branco continua a ser desconhecido, mas pensa-se que provavelmente as fêmeas não se reproduzirão todos os anos.
Após nascerem e até atingirem os 3 metros, os tubarões brancos juvenis alimentam-se primariamente de lulas, de peixes, de raias e de outros tubarões. Quando ficam maiores, alteram a sua dieta e passam a incluir no menu mamíferos como focas, leões marinhos, golfinhos e baleias mortas, embora se saiba que em determinadas áreas haja tubarões brancos adultos que continuam a alimentar-se de peixes de grandes dimensões e de carcassas. Mas também há muitos registos de ataques de tubarões brancos a tartarugas, a lontras do mar, a elefantes marinhos e até a pássaros. Todavia, os especialistas acreditam que a sua presa favorita são as focas e há inclusivamente uma zona na costa sul-africana que é considerada um lugar de caça de eleição: Seal Point, perto de Jeffreys Bay.
Como procedimento geral, a sua estratégia de ataque consiste num ataque rápido e de surpresa por baixo, inflingindo logo uma dentada grande e potencialmente fatal. A presa atingida geralmente morre em resultado da profunidade do trauma ou da perda de sangue, mas se a mordidela tiver sido superficial ou não tiver afectado seriamente o corpo, poderá ter uma possibilidade de escapar e de sobreviver ao ataque só com cicatrizes. Mas se o atacante for um exemplar adulto, a primeira investida costuma ser fatal. Os tubarões brancos de maiores dimensões também se alimentam das carcassas de tubarões-baleia e parecem apreciar a camada rica em gordura das baleias mortas. Quanto a alimentarem-se realmente de pessoas, dos vários registos de ataques por parte de tubarões adultos não se conhecem casos em que seres humanos tenham sido comidos.
Em termos da sua fisiologia, os tubarões brancos diferem da maior parte dos outros tubarões e dos peixes com escamas devido ao facto de serem animais de sangue quente. A temperatura corporal de um tubarão branco pode variar entre 24 e 27 graus e ser entre 13 a 14 graus mais elevada que a temperatura da água que o rodeia. Os tubarões brancos aumentam a temperatura do seu corpo usando um sistema de troca de calor que retém o calor gerado pelos seus músculos. O seu metabolismo está mais próximo do dos pássaros e dos mamíferos que da maioria dos outros peixes. E o facto de terem um corpo quente ajudou claramente os tubarões brancos a tornarem-se predadores dominantes de presas que ficam com os movimentos mais lentos quando estão em ambientes frios ou arrefecidos.
Diferentes padrões de movimentação
A normal velocidade de cruzeiro do tubarão branco é de cerca de 3 quilómetros por hora, embora este peixe possa nadar a velocidades muito mais elevadas por períodos curtos. Indivíduos etiquetados foram recapturados a mais de 1400 quilómetros do ponto de origem. Mas no Sul da Austrália os tubarões brancos etiquetados voltam frequentemente a ser vistos no local onde foram etiquetados; todavia, os padrões genéricos de movimentação mantêm-se desconhecidos. Vários tubarões brancos etiquetados com transmissores acústicos revelaram padrões de navegação diferentes entre o dia e a noite: num registo, um exemplar de 3,5 metros nadou perto do fundo e junto à costa durante o dia e deslocou-se para o largo onde andou entre a superfície e os 30 metros de profundidade à noite.
Não obstante a nossa falta de conhecimento acerca deste peixe, o sensacionalismo dos media e a ignorância geral deram ao tubarão branco uma terrível reputação. Uma coisa é certa: esta espécie é responsável por uma média de 2 a 3 ataques não-fatais a banhistas, surfistas e mergulhadores todos os anos, um número que nos leva a pensar que a seu reputação de enorme ameaça é exagerada; são mortas mais pessoas em cada ano nos Estados Unidos por ataques de cães do que as que foram mortas por tubarões brancos nos últimos 100 anos. Além disso, estudos científicos mostram que a população desta espécie é muito reduzida: nas águas costeiras da Califórnia, por exemplo, estima-se que a população adulta não vá além dos 100 animais.
Quanto ao estado da população na Austrália, também não existem actualmente estimativas credíveis sobre o número total de tubarões brancos. São recolhidos vários dados para ajudar a examinar tendências demográficas — as capturas por pescadores, as capturas nas redes de protecção às praias em New South Wales e em Queensland, os relatórios dos operadores que organizam mergulhos para turistas em jaulas, etc —, mas a informação disponível é complicada por uma enorme variedade de factores. Entre eles incluem-se as variações anuais nas taxas de capturas e de observações. E além dos dados recolhidos serem ambíguos, muitos sugerem um declínio da abundância, sem que seja contudo possível estimar nem a magnitude nem as implicações desse presumível declínio.