O transporte da água e do gás nas plantas aquáticas
O transporte da água e do gás nas plantas aquáticas
por Ole Pedersen,
Associate Professor
Freshwater Biological Laboratory
University of Copenhagen
Esta é uma história de sucesso no reino vegetal; mas é também uma história acerca do desenvolvimento, pelas plantas superiores, das características necessárias para poderem conquistar o ambiente aquático, que apresenta condições de crescimento muito diferentes do meio terrestre, onde terão provavelmente surgido os primeiros angiospermas. E em terra a evolução dos angiospermas — plantas que possuem um caroço exterior à volta da semente — foi um verdadeiro caso de sucesso. Os registos dos primeiros fósseis de angiospermas datam de há pelo menos 130 milhões de anos, sendo que foi ao longo dos 40 milhões de anos seguintes que a maioria das famílias modernas actuais dentro deste grupo evoluíram.
Outros 20 milhões de anos mais tarde, os angiospermas acabariam por se tornar na flora quantitativamente dominante. A anterior flora dominante, constituída sobretudo por fetos e plantas com formas do género das Cyca spp., foi sendo substituída pelos angiospermas. Hoje, este grupo de plantas domina a flora em todos os cantos do mundo, com um total de espécies superior a 300 mil. Encontramo-las todos os dias sob a forma de árvores, de arbustos e de comuns plantas floridas — até as vulgares ervas dos relvados pertencem a este vastísimo grupo de plantas.
Foi precisamente a um pequeno grupo de angiospermas, um grupo que constitui hoje menos de 5% de todas as espécies conhecidas dentro destas plantas, que coube a missão de conquistar, parcial ou totalmente, o ambiente aquático. Os primeiros angiospermas aptos a viver no meio aquático apareceram há cerca de 80 milhões de anos e desde então foram desenvolvendo uma variedade de formas que, em muitos casos, até apagou quaisquer ligações visíveis com os seus antepassados terrestres. Porém, a ideia de que os angiospermas aquáticos eram um grupo avançado que terá evoluído directamente dos seus antepassados terrestres estará provavelmente errada.
Com efeito, a nova ciência está agora a colocar tanto os nenúfares como as plantas que possuem formas do género das Ceratophyllum spp. em épocas muito anteriores na história do desenvolvimento dos angiospermas e, nalguns casos, até antes deles terem divergido em monocótiledos e dicótiledos. Ora torna-se um pouco difícil imaginar que as plantas dos pântanos e outras plantas anfíbias não devam ter evoluído ao mesmo tempo que os angiospermas terrestres, uma vez que a fase de transição entre a terra e a água oferece às plantas, de inúmeras formas, o melhor de cada ambiente. De facto, no ambiente terrestre, a taxa de crescimento das plantas acaba frequentemente por ser limitada pelo fornecimento de água.
Plantas submersas e plantas palustres
Podemos dividir as plantas aquáticas modernas em dois grupos: o grupo das que necessitam obrigatoriamente de estar submersas e o grupo das plantas anfíbias, ou palustres. As plantas que precisam de estar sempre submersas não conseguem sequer sobreviver fora do ambiente aquático, morrendo em pouco tempo. Na aquariofilia, entre os exemplos mais comuns deste género de plantas temos a maioria da Aponogeton spp. e as Cabomba, que murcham e secam muito depressa quando removidas da água. Este tipo de plantas habitam geralmente em lagos pouco profundos e em pequenos ribeiros, onde são frequentemente a flora dominante.
Já no mar, em lagos profundos e nos grandes rios, o predomínio das plantas submersas tem vindo a reduzir-se de forma significativa ao longo dos últimos 50 anos, em resultado da eutroficação. E em que é que consiste este fenómeno? É uma espécie de canibalismo no reino vegetal, pois um lago ou um rio diz-se eutrófico quando as suas águas, por serem muito ricas em nutrientes minerais e orgânicos, têm, consequentemente, excesso de vida vegetal. Circunstância que pode também acabar por dificultar — e até aniquilar — a vida animal, por falta de oxigénio.
Ou seja, nesses grandes rios e lagos, as algas microscópicas que flutuam livremente beneficiam em força dos elevados e nutritivos níveis de nitrogénio e fósforo existentes no meio ambiente e a sua biomassa acaba por reduzir de forma substancial a quantidade de luz que normalmente consegue penetrar na coluna de água e chegar às plantas com raízes do fundo. Como essas plantas enraizadas não podem fugir da escuridão e não beneficiam da relativa — ainda que involuntária — liberdade de circulação dessas algas microscópicas, acabam por definhar face às condições adversas.
Ao invés, mesmo quando não se encontram totalmente submersas, as plantas anfíbias podem continuar a desenvolver-se e a florescer, embora por períodos variáveis, que tanto podem ser mais curtos ou mais longos. Aliás, é frequente as plantas anfíbias dominarem a vegetação de ribeiros ou de bancos de rios, tal como é também costume a vegetação submersa de regatos temporários e de lagos sazonais ser sobretudo composta por este tipo de plantas.
Nestes casos, é mais frequente encontrarmos plantas parcialmente submersas, com a parte inferior do rebento coberta pela água e a parte superior exposta ao ar livre. Ou então plantas totalmente submersas durante a estação húmida e expostas ao ar durante os períodos secos. Como exemplos comuns deste tipo de plantas entre as de aquário temos as dos géneros Echinodorus e Cryptocoryne. Pelo exposto, constatamos que a exigência crucial para as plantas poderem vicejar na água ou em solos alagados assenta basicamente na sua capacidade de transportarem O2 das folhas até às raízes.
Transportar o oxigénio mais eficientemente
Foi para assegurarem este processo de transporte de oxigénio de uma forma mais eficiente que algumas plantas desenvolveram um sistema denominado aerenchyma, que corre todo o seu corpo, desde as folhas produtoras de oxigénio através do caule até às raízes. No aerenchyma o transporte de oxigénio é geralmente assegurado pela difusão do próprio gás e só ocasionalmente através da água, quando o oxigénio tem de penetrar nas paredes das células, pelos nós das raízes. Julga-se que, na sua maioria, as plantas aquáticas serão provavelmente capazes de desenvolver um metabolismo baseado na fermentação, mas o facto de disporem de um metabolismo aeróbico torna-se fundamental no longo prazo, porque a produção de energia é muitíssimo maior.
Além disso, um transporte inadequado de oxigénio para as raízes poderia reduzir a função geral deste órgão para a planta, devido à toxificação causada por substâncias como o sulfido, por exemplo (aquela substância com um odor desagradável que cheiramos nos ovos cozidos). Contudo, se o transporte de oxigénio para as raízes for suficiente, criar-se-á uma esfera oxidada à volta delas e o sulfido será oxidado, sendo, por conseguinte, anulada a sua toxicidade.
Algumas plantas aquáticas desenvolveram um sistema avançado que lhes permite efectuarem o transporte do ar em massa, de forma que deixam de estar dependentes do lento processo da pura difusão. No início da década de 80, o cientista John Dacey, professor associado da Woods Hole Oceanographic Institution, demonstrou que a Nymphaea lutea — o vulgar nenúfar amarelo — possui um sistema que ventila as raízes e os rizomas sob a forma de um fluxo de ar em massa.
Mas este sistema funciona apenas em plantas cujas folhas estejam em contacto com o ar. Aqui, o ar penetra através das folhas mais jovens e flui para baixo. Primeiro através do peciolo e depois através do rizoma, onde os poros das raízes que estão debaixo de água absorvem os gases dissolvidos no sedimento. Neste tipo de plantas, suspensas à superfície da água, é junto às raízes que elas retêm o sedimento que flutua na água. Assim, os gases que estas plantas absorvem através delas são difundidos, em troca, para o fluxo de ar, sendo esse ar depois libertado pela planta através das folhas mais velhas. E nessa altura a sua composição já é uma mistura entre o ar atmosférico e os gases dissolvidos que se encontravam no depósito junto ao rizoma submerso.
O fluxo de ar é guiado por diferenças na temperatura e na humidade — fenómeno vulgarmente conhecido por «difusão de Knudsen» — e não exige esforço à planta. Nos últimos dez anos comprovou-se que este sistema também funciona noutras plantas, como a Typha latifolia e as Phragmites spp., por exemplo, pois processando assim o fluxo de ar elas conseguem viver em zonas onde têm à disposição menos sedimentos, uma vez que conseguem ser igualmente eficientes no esforço de fornecimento de O2 às suas raízes.
Por seu turno, também a quantidade de dióxido de carbono que as plantas têm disponível em estado gasoso é mais limitada na água do que no ar. Aliás, em muitos sistemas naturais o crescimento das plantas na água encontra-se limitado pelo fornecimento de carbono e é por isso que hoje em dia muitos aquariófilos instalam sistemas de enriquecimento da água dos seus tanques plantados com dióxido de carbono, tendo em vista evitar potenciais limitações à fotosíntese e ao crescimento.
Estratégias mais avançadas
Outras plantas aquáticas desenvolveram estratégias avançadas para ultrapassar essa limitação do carbono que têm disponível nos seus ambientes naturais. Destas, a adaptação mais importante de todas é a capacidade de utilizarem bicarbonato (HCO3-), uma substância que está presente, em elevadas concentrações, na água doce alcalina e em todas as águas do mar. Existem no entanto algumas restrições a esta estratégia, uma vez que a conversão de HCO3- em CO2 lhes exige uma entrada de energia. A capacidade de utilizarem HCO3- é própria das plantas aquáticas e está presente na maioria dos grupos dos organismos aquáticos autotróficos, desde as cianobactérias (as algas vulgarmente conhecidas como «azuis», ou «verdes») até aos mais avançados angiospermas.
No entanto, um pequeno grupo de plantas aquáticas, como a Lobelia dortmanna, por exemplo, desenvolveram uma técnica de aquisição de carbono bastante diferente. Conseguem utilizar as concentrações muito elevadas de dióxido de carbono do sedimento para fotosíntese nas folhas. Os níveis elevados de dióxido de carbono existentes no sedimento advêm da intensa mineralização da matéria orgânica que ocorre na superfície do sedimento. O aerenchyma da Lobelia está extremamente bem desenvolvido. As folhas possuem duas lacunas muito grandes que se prolongam continuamente para baixo, ao longo curto caule até se separarem, uma para cada raiz. Como a planta é pequena (mede menos de 10 centímetros), a difusão ainda mostra ser eficiente quando o transporte é feito para fora, na fase de gás: o CO2 pode difundir-se até à raiz e voltar para cima, através do caule, até às folhas.
Para ajudar, as folhas encontram-se cobertas com uma cutícula de gás cerosa e impermeável que assegura que não haja uma difusão do dióxido de carbono para fora, para a água à volta da planta, e seja simplesmente retido na folha até à sua fixação na fotosíntese. Em troca, a planta efectua a difusão de todo o oxigénio envolvido durante a fotosíntese através das folhas para fora, até às raízes, estendendo-se aí ao sedimento que as rodeia. E este pormenor em particular converte a Lobelia numa planta excepcional, porque toda a troca gasosa se realiza à superfície da raiz e não primariamente através das folhas, como sucede em todas as outras plantas.
Os habitats da Lobelia reduzem-se unicamente a águas com sedimentos pobres em nutrientes e o consumo de oxigénio é razoavelmente fraco. Consequentemente, os sedimentos da Lobelia são com frequência aeróbicos, devido ao transporte intensivo de oxigénio para o sedimento, permitindo que aí se instale e desenvolva uma fauna aeróbica — uma teoria que até hoje ainda não foi testada.
Já aquelas plantas que vivem totalmente submersas perdem o fluxo de transpiração. Este fluxo representa a maior parte da água que circula dentro do tecido vascular das plantas terrestres e é conduzido pela evaporação desde a superfície das folhas, que arrasta a água para cima através da planta por acção das extremamente consistentes forças coesivas da água.
Nesse percurso a água transporta consigo iões nutrientes captados pelas raízes e fitohormonas produzidas também nas raízes, até aos sítios de crescimento activos do rebento, onde os nutrientes são usados para construir novo tecido e onde as fitohormonas regulam o crescimento. As plantas aquáticas possuem igualmente um tecido vascular no caule mas, até recentemente, não se sabia ao certo se elas eram também capazes de suportar um fluxo de água para cima. Obviamente que as plantas aquáticas não podem usar a mesma força condutora das terrestres, uma vez que a água não se evapora de uma folha totalmente submergida. Por outro lado, as plantas submersas necessitam de um sistema de transporte eficiente para as fitohormonas e para os nutrientes inorgânicos.
Nutrientes pelas raízes
A capacidade de captar nutrientes através das raízes continua a ser também muito importante para as plantas submersas uma vez que a escassez de nutrientes na coluna de água é algo frequente nos sistemas naturais — esses nutrientes são captados de forma muito eficiente pelas algas microscópicas flutuantes. Este problema foi formulado pela primeira vez em 1862 pelo botânico austríaco Unger, num encontro em Vienna: «a questão final, a que eu gostaria de conseguir responder — afirmou ele na altura —, consiste em saber se por acaso também as plantas aquáticas ingerem ou não uma grande quantidade de água através das raízes, que separarão depois nos vasos periféricos».
Esta questão acabaria porém por permanecer relevante desde então, muito embora as experências preliminares de Unger neste domínio tenham sido continuadas, especialmente na Alemanha, por outros fisiologistas de plantas, na viragem desse século. Mas a falta de técnicas apropriadas impediu uma interpretação dos resultados sem margem para dúvidas, apesar da maioria da comunidade científica confessar que a sua impressão era que deveria sempre ocorrer algum tipo de transporte da água em massa, até mesmo nas plantas do género Ceratophyllum spp., que não possuem raízes.
Nos dias de hoje, porém, já temos acesso a técnicas de medição radioactivas. Em 1993 usei água com trítio (um isótopo radioactivo do hidrogénio) para detectar a movimentação da água dentro das plantas aquáticas. Investiguei nove diferentes espécies de plantas submersas e todas elas, excepto a Zostera marina demonstraram um transporte de água significativo das raízes até ao gomo. Essas experiências também revelaram que a água era sobretudo canalizada para os sítios de crescimento activo, o que faz sentido, dado que a necessidade de nutrientes e de hormonas é maior nessas partes em particular.
Algum tempo depois, concluí que a análise da transpiração se afigurava um método adequado para quantificar o transporte da água nas plantas submersas. Recorrendo ao uso de microvidros capilares, consegui recolher gotículas de água extremamente pequenas — com entre 0,5 e uma milionésima parte de litro — das pontas das folhas de plantas aquáticas mantidas numa atmosfera altamente húmida. E essas experiências mostraram igualmente que o transporte da água lhes requeria a transformação de energia nas raízes para a fazer correr e que esse transporte quase parava quando a transformação de energia era bloqueada por toxinas nas células ou então, muito simplesmente, quando a raiz era arrefecida a 4 graus Celsius.
Transporte por pressão
Na Universität Bayreuth, na Alemanha, demonstrei que o transporte da água é controlado pela pressão na raiz. A pressão na raiz é uma pressão hidroestática que a planta provoca nos tecidos vasculares das suas raízes. Esta pressão vai equalizar a quantidade de água no gomo ao propulsionar uma corrente de água para cima através do caule e para fora através das folhas, provocando a tal transpiração submersa. Mantêm-se todavia por explicar algumas questões uma vez que a pressão na raiz não pode inequivocamente ser a força condutora na Ceratophyllum que não tem raízes. Esta planta em particular ainda merece alguma atenção para sabermos se será realmente verdade que o transporte de água em massa ocorre dentro dela.
Em conclusão, temos de admitir que a vida das plantas na água requer adaptações especiais e que essa é a razão pela qual não podemos nunca usar plantas terrestres para decorar os aquários, isto se queremos que elas sobrevivam e de desenvolvam. Quanto mais as plantas estiverem adaptadas para crescer no meio aquático, especialmente se possuírem um aerenchyma bem desenvolvido, mais benefícios nós retiraremos delas num ambiente submerso. Por outro lado, os constrangimentos físicos do meio aquático ainda terão de ser ultrapassados. E no caso das plantas semi-terrestres ou anfíbias com um aerenchyma limitado, provavelmente conseguiremos potenciar-lhes uma melhor performance das raízes se usarmos um substrato grosso e de textura grosseira.
Um substrato desse tipo permitirá criar um mixing da água que fique retida entre os poros do sedimento anaeróbico com a restante água rica em oxigénio e assim reduzir o risco de uma anaerobiose no sedimento. Consequentemente, as raízes poderão receber oxigénio na água e suster um metabolismo aeróbico eficiente. No entanto, em muitos casos é geralmente preferível manter o sedimento anaeróbico uma vez que nutrientes importantes — como o fósforo, o ferro e o manganêsio — precipitam em condições óxidas e ficam indisponíveis para as plantas, o que eventualmente lhes limita o crescimento. Por isso, é sempre uma excelente ajuda o enriquecimento da água com CO2. Aqui há que ter todavia o cuidado de evitar uma limitação da fotosíntese por excesso de carbono, algo que se poderia traduzir igualmente numa redução do crescimento das plantas.
Ao enriquecermos a água com CO2 o que estamos na verdade a fazer é a mimetizar as condições naturais de muitos ribeiros. É bem frequente os ribeiros serem alimentados com água subterrânea rica em CO2, sendo que se verificam habitualmente concentrações naturais de CO2 centenas de vezes superiores ao equilíbrio do ar. Ou seja, todos aqueles sofisticados sistemas que nós aplicamos no nosso tanque, na sala de estar, não são mais do que tentativas de replicar estratégias bem testadas na Natureza.