Compreender os nomes científicos
Compreender os nomes científicos
Sabe de onde é que vem a expressão «vulgar de lineu»? Em meados do ano de 1758, Karl von Linné, um cientista sueco, criou um sistema universal que se destinava a permitir classificar todos os seres vivos. O seu sistema viria a ficar conhecido por Systema Naturae — o «Sistema da Natureza«, traduzindo para português —, e ainda hoje é utilizado. Nessa altura, para assegurar que ele se afirmasse de facto como um sistema universal, von Linné escolheu o latim como a língua para todas as denominações, uma opção que se justificava pela simples razão de que o latim já era uma língua morta, neutra, não estando portanto à mercê das alterações que os idiomas em uso vão registando ao longo dos tempos.
Fiel ao seu sistema, o cientista viria inclusivamente a latinizar o seu nome, alterando-o para Linnaeus, numa atitude que acabaria por criar escola. Na realidade, foi exactamente assim que se passou a fazer: muitos dos nomes científicos a que hoje em dia nos referimos como sendo «em latim» são designações latinizadas provenientes de outras línguas, designadamente do grego. Tomemos como exemplo o género donde proveio o nome comum tetra, que é Tetragonopterus. A única parte de latim deste nome é o sufixo masculino «us»; o resto compõe-se de três palavras gregas: «tetra» (quatro), «gonos» (lados) e «pteron» (asa, ou barbatana).
Se na génese desta designação estivesse um nome latino, o resultado seria algo mais parecido com Quadrilateripinnius e o nome comum para um peixe pertencente a este grupo seria «quadri». Que tal, gostaria de ter no seu aquário um cardume de quadris néon? Porém, este é apenas um exemplo entre os muitíssimos que poderíamos mencionar. Face ao sistema inventado por von Linné, muitas outras designações, de outras tantas línguas, podem ser igualmente latinizadas. E isso torna-se perfeitamente evidente quando são utilizados nomes de pessoas ou de lugares nas denominações científicas.
Os nomes Carnegiella e Eichhornia, por exemplo, são géneros derivados dos nomes de Carnegie e de Eichhorn, os seus descobridores, respectivamente. Já para os nomes das espécies, é costume usar o sufixo latino «i» para os nomes masculinos e o sufixo «ae» para os femininos. Outro exemplo disto é o da Melanotaenia boesemani, que foi assim denominada por Marinus Böseman; ou o da Carnegiella marthae, em referência a Martha Ruth Myers, a mulher de G. S. Myers. Note-se que neste sistema os acentos não se usam, pelo que o trema de Böseman caiu para dar lugar a Boeseman.
Regra válida também para lugares
Aliás, esta regra também parece aplicar-se aos nomes derivados de nomes de lugares: Corydora metae, por exemplo, deriva do rio Meta, na Colômbia, embora geralmente se utilize mais o sufixo «ensis» para realçar que o organismo em questão é endógeno daquele local. Como sucede com o Aequidens portalegrensis, que pode ser encontrado na zona de Porto Alegre, no sul do Brasil.
Portanto, como já deve ter reparado, os nomes científicos têm um género em latim, que é adaptado para fazer coincidir o género da «espécie» com o género do «género». Repare-se por exemplo como o nome específico do guppy mudou quando este popular peixinho foi reclassificado de Lebistes reticulatus para Poecilia reticulata: o género Lebistes era masculino e o género Poecilia é feminino.
Então como é que podemos saber se um nome é masculino ou feminino? Bem, a última vogal dá-lhe uma pista: «a» é feminino; «e» tanto pode ser uma coisa como a outra; «i», «o» e «u» são masculino. Mas como também é claro que para toda a regra existem excepções, quando um género é descrito, esse género é dado para que os outros cientistas saibam como designar as espécies. Se uma espécie é denominada em referência a uma pessoa ou um lugar, o género derivado do nome dessa pessoa ou desse lugar prevalece sobre o género do género.
Assim, uma vez que já saiba as regras básicas deste sistema — e tenha também conhecimentos rudimentares de grego e de latim —, muitos dos nomes científicos dos peixes e das plantas começam a fazer sentido. Alguns são sobretudo descritivos, outros são mais criativos, outros ainda são interessantes e alguns deixam-nos até a pensar no que é que o cientista estaria a pensar naquela altura. Aqui ficam alguns exemplos:
- Tetragonopterus: com barbatanas quadrilaterais
- Tanichthys albonubes: peixe de Tan com «nuvens brancas». O Tanichthys é originário da região de Tan, na China, e tem as pontas das barbatanas peitorais e anal esbranquiçadas
- Chaca chaca: «chaca» é uma alusão ao som que este peixe-gato faz quando o tiram fora da água!
- Aequidens: com dentes do mesmo comprimento, ou seja, equidistantes
- Trichogaster trichopterus: peixe com estômago fino como cabelo e com as barbatanas finas como cabelo. Para os mais desatentos, estamos a falar do conhecido tricogaster azul
Provavelmente já está a pensar porque será que os cientistas se dão a tanto trabalho para criarem estes nomes. E nos dão tanto trabalho a nós também, para nos conseguirmos lembrar deles. Bem, Linnaeus queria um sistema que fosse único e universal. Os nomes científicos são «standardizados», únicos, válidos em todo o mundo e agrupam os diferentes peixes e plantas em parentescos. Por outro lado, os nomes comuns, ou vulgares, não são «standardizados», não são únicos, não se encontram limitados por uma língua e não podemos basear-nos neles para agrupar os diferentes seres vivos em graus de parentesco (v.g., consideremos o grande tubarão branco, que é um tubarão verdadeiro; o tubarão iridiscente, que é um peixe-gato; e o tubarão arco-íris, que é um ciprinídeo).
Só para dar um exemplo da falta de unicidade, existem pelo menos três ciclídeos muito diferentes entre si que em português são conhecidos pelo nome comum de «ciclídeo bandeira»: o festivum (Mesonauta festiva), o curviceps (Laetacara curviceps), e o escalar (Pterophyllum scalare), também conhecido por peixe-anjo. Os brasileiros chamam ao festivum acará bandeira, mas entre nós esse nome não é muito utilizado. Estão a ver? Só em português o festivum já tem mais do que um nome vulgar.
Agora, muito provavelmente, aqueles ciclidiotas (como nós) que estejam a ler este artigo estarão já certamente a retorquir que o Laetacara curviceps também é conhecido como Aequidens curviceps e que o Mesonauta festiva também é identificado como Cichlasoma festivum. Então não era suposto estes nomes serem únicos? Pois podem apostar que são. Os nomes ainda descrevem unicamente uma espécie de peixe. Embora certos peixes possam ter mais do que um só nome, apenas um é o correcto. Os outros são os chamados sinónimos e mantêm-se apenas para referência do passado.
Preservar o passado mantendo sinónimos
Os cientistas devem assegurar-se de que esses nomes sejam únicos e de que se mantenha o mais velho nome pelo qual a espécie é conhecida. A razão para as mudanças é que, à medida que o volume de conhecimento aumenta, certas espécies que anteriormente estavam agrupadas precisam de ser divididas e reagrupadas. Isto cria novos géneros e novos nomes que nós temos de aprender. Não tem muita piada, mas é por uma boa causa.
Outra coisa que a maioria de nós não acha nada divertida é a forma de pronunciar os nomes científicos. Tendo nós uma língua de raiz latina como idioma principal, às vezes damos connosco a pensar que a forma como as pessoas pronunciam os nomes latinos nos países saxónicos é uma experiência verdadeiramente dolorosa. Mas a verdade é que quase todos os guias de pronúncia publicados nesses países tratam os nomes latinos como se eles fossem nomes ingleses.
Para conseguir perceber o porquê disso, bastará ler o «Exotic Aquarium Fishes» de W. T. Innes: no século XIX, um grupo de botânicos ingleses decidiu «modernizar» os nomes em latim e em grego dando uma pronúncia inglesa às vogais. Ou seja, adeusinho ó universalidade! Para quê maçarmo-nos com uma língua neutra se podemos modificá-la para servir as nossas próprias necessidades de pronúncia?...
Só que agora vejamos as coisas por outro prisma: e se Linnaeus tivesse decidido que o latim deveria ser pronunciado como se tivesse a sua raiz na língua sueca? Os gregos estavam bem tramados, não era? Mesmo assim, este sistema «moderno» é o que se vê hoje em dia em muitos países, com particular realce para os Estados Unidos. E como a maior parte dos bons livros sobre aquariofilia são publicados nos Estados Unidos, os seus reflexos fazem-se sentir em muitas publicações importadas. Ao invés, trata-se de um fenómeno raro nas publicações europeias.
Bibliografia:
Allen, Gerald R. (1995): «Rainbowfishes In Nature and in the Aquarium», Tetra-Verlag, Melle, Alemanha
Betts, Gavin (1992): «Teach Yourself Latin - A Complete Course», NTC Publishing Group, Chicago, IL, EUA
Guralnik, David B. (ed.) (1984): «Webster's New World Dictionary», Simon and Schuster, New York, NY, EUA
Handford, S. A. (1966): «Pocket Latin Dictionary», Langenscheidt KG, Berlim e Munique, Alemanha
Innes, William T. (1979): «Exotic Aquarium Fishes», T. F. H. Publications, Inc, Neptune City, NJ, EUA
Pasquier, Roger F. (1983): «The Diversity of Birdlife», em Poole, Robert M. (ed.), «The Wonder of Birds», pp. 18-53, National Geographic Society, Washington, DC, EUA