Celacanto
Em busca de um fóssil vivo
Em busca de um fóssil vivo
Desde a sua (re)descoberta pela comunidade científica ocidental, em 1938, foram numerosas as expedições levadas a cabo com vista a encontrar, fotografar, tocar, capturar, obter espécimes, filmar ou simplesmente observar e preservar o celacanto.
A lista em baixo inclui propositadamente as capturas e descobertas não-intencionais
- 1938 - Marjorie Courtenay-Latimer, de 32 anos, conservadora do minúsculo museu da cidade de East London, na África do Sul, encontra, entre os peixes apanhados nessa manhã pelos pescadores, ao largo do estuário do rio Chalumna, o primeiro celacanto, quando já se pensava que essa espécie estava extinta há pelo menos 65 milhões de anos
- 1939 - J. L. B. Smith, de 41 anos, professor de química na Rhodes University, em Grahamstown, na África do Sul, e com uma incurável paixão pela ictiologia, decide avançar com uma série de expedições com o objectivo de encontrar celacantos
Nas suas expedições foi subindo ao longo da costa, desde o nordeste da África do Sul até ao sudeste da Tanzânia. Smith acabaria por não ser bem sucedido no seu propósito principal, mas aproveitou as suas expedições para catalogar os peixes dos recifes da zona. Com base na sua forma e coloração, ele acreditava que o celacanto habitava nas zonas mais fundas dos recifes e não nas verdadeiras profundezas do oceano
Até à descoberta do segundo celacanto, várias instituições oceanográficas utilizaram os seus navios de pesquisa para procurar nas profundezas do oceano, mas nunca encontraram quaisquer sinais de celacantos. Esse insucesso generalizado ajudou a promover a ideia, já enraizada na mitologia popular das gentes daquela região, de que os celacantos habitavam mesmo no fundo do mar - 1952 - A comunidade científica internacional voltava por fim a cruzar-se com o celacanto: o capitão Eric Hunt descobre que os pescadores locais das Comores capturavam todos os anos celacantos a quem chamavam «mame» ou «gombessa». Hunt, um inglês de 38 anos que possuía um veleiro com o qual fazia negócio entre Madagáscar, as Comores e Zanzibar, tinha, uns anos antes, assistido a uma conferência do professor Smith em Zanzibar e havia ficado fascinado com a sua pesquisa, tendo-se logo oferecido para o ajudar na busca
Assim, em 21 de Dezembro de 1952, catorze anos após ter sido achado o primeiro celacanto vivo, o capitão Hunt, quando regressava ao porto de Mutsamudu, na ilha de Anjouan, uma das Comores, foi abordado por dois pescadores locais que lhe disseram ter pescado à linha nesse mesmo dia um «mame». O autor da façanha chamava-se Ahamadi Abdallah e a sua presa foi anunciada a todo o mundo
Avisado da novidade, Smith recebe emprestado do governo sul-africano um avião «Dakota» DC3 e voa imediatamente para as Comores para ir buscar «o segundo celacanto». De seguida iniciou os preparativos para mais uma expedição às Comores, planeada para pesquisar os celacantos no seu habitat natural e, se possível, tentar capturar um exemplar vivo para manter num aquário público. Só que essa sua iniciativa acabaria por não se concretizar devido à falta de financiamentos
Entretanto, o governo francês — que na altura controlava as Comores — decide declarar que os celacantos não podem ser disponibilizados a entidades estrangeiras, particulares ou não, sem consentimento prévio das autoridades oficiais. De facto, todas as capturas subsequentes passariam a ser registadas com minúcia e os espécimes enviados para França, para os doutores Jacques Millot e Jean Anthony, a quem competiria supervisionar as pesquisas sobre os celacantos durante a década seguinte
Nos anos que se seguiram, sempre que eram capturados celacantos pelos pescadores das Comores, cada exemplar era devidamente acondicionado com vista a conservar-se o mais intacto possível na sua viagem para Paris. Aí chegados, eram analisados, catalogados e distribuídos por museus de todo o mundo - 1955 - O explorador Quentin Keynes visita as Comores com Eric Hunt e entrevista todos os que tinham estado envolvidos na extraordinária descoberta do «segundo celacanto». Seguiu-se-lhe o comandante Cousteau, na primeira das várias visitas que faria ao longo dos anos seguintes às Comores sempre na mira de conseguir filmar celacantos no seu ambiente natural. Todavia, o comandante Cousteau não seria bem sucedido em nenhuma dessas tentativas: nem os membros da sua equipa conseguiram localizar celacantos nem sequer houve capturas de espécimes pelos pescadores locais durante as visitas
- 1964 - A Hopkins Marine Station da Stanford University, em conjunto com a National Science Foundation, arranca com a «Marine Physiological Expedition to Madagascar and the Iles Comores». Esta expedição tenta, sem sucesso, encontrar um celacanto vivo nas águas em redor da ilha de Anjouan para o levar para os Estados Unidos e poder examiná-lo lá
- 1966 - Um fotojornalista francês, Jacques Stevens, assegura ter fotografado e filmado um celacanto no seu habitat natural. Mas os cientistas desmentiram-no, referindo que o exemplar em questão tinha sido capturado vivo por um pescador local e fora depois filmado em águas rasas. Foi ainda neste ano que os Estados Unidos receberam por fim o primeiro celacanto congelado para o estudarem
- 1968 - A equipa do comandante Jacques-Yves Cousteau, já com o navio de pesquisas «Calypso», volta a falhar a filmagem do celacanto nas águas do arquipélago das Comores ao não conseguir localizar nenhum espécime
- 1972 - Uma expedição conjunta da British Royal Society com as congéneres francesa e americana desloca-se às Comores com a intenção de capturar celacantos vivos. Embora os seus esforços resultem infrutíferos, conseguem obter espécimes e filmar um celacanto moribundo que tinha sido capturado por pescadores nativos e estava a ser mantido dentro de um tanque que havia sido construído à pressa
Nesse mesmo ano, o Vancouver Aquarium lança uma ofensiva para tentar conseguir um celacanto vivo, mas sem sucesso. Os membros da equipa que fora enviada com essa missão às Comores regressam com um espécime adquirido - 1975 - O Steinhart Aquarium de São Francisco conclui uma série de expedições para capturar um celacanto vivo. Os seus esforços não atingem o objectivo desejado mas em resultado do projecto é publicada uma importante monografia sobre o celacanto em 1976 pela California Academy of Sciences
- 1979 - Peter Scoones, fotógrafo e cinematógrafo do famoso programa intitulado «A Vida na Terra» — que era apresentado por Sir David Attenborough e produzido pela BBC, a cadeia de televisão estatal britânica —, consegue fotografar e filmar um celacanto que fora apanhado por um pescador local a morrer nos baixios junto à praia
- 1980 - No início deste ano, um grupo intitulado «Expedição Científica Japonesa do Celacanto» e encabeçado por Kimihei Shinonoi, visita as Comores. O grupo adquire exemplares do peixe destinados a estudo e acaba por estabelecer ligações económicas entre as Comores e o Japão. Na sequência da visita desse grupo seriam produzidos vários documentos por japoneses sobre o celacanto. As visitas desse grupo repetir-se-ão esporadicamente ao longo da década de 80 até aos anos 90
- 1981 - Realizam-se expedições zoológicas belgas às Ilhas Comores para preparar um relatório muito exaustivo sobre o celacanto
- 1985 - O mergulhador francês Jean Louis Geraud, a residir nas Comores, consegue filmar um celacanto, que tinha sido capturado e depois libertado, a sensivelmente 20 metros de profundidade
- 1986 - Uma equipa enviada pelo Max-Planck Institute de Seewiesen, na Alemanha, constituída por Hans Fricke, Karen Hissman e Raphael Plante, visita o arquipélago das Comores com o submersível «Geo». Após uma série de decepcionantes imersões, o operador do submersível, Jurgen Schauer, acaba por conseguir localizar, fotografar e filmar um celacanto no seu habitat natural a uma profunidade de quase 180 metros. O projecto estende-se por 1987, capturando as primeiras imagens do comportamento de exemplares de celacantos saudáveis no seu meio ambiente natural
Em finais de Novembro de 1986 chega também às Comores a primeira equipa criada em conjunto pelo New York Aquarium e o Explorers Club, liderada por Jerome Hamlin, com o objectivo de avaliar a viabilidade de capturar um celacanto vivo e levá-lo para exibir e estudar nos Estados Unidos... A equipa adquire vários espécimes congelados que são enviados para iniciar uma nova abordagem nas pesquisas, onde já se incluem análises do DNA
Sensivelmente na mesma altura, em finais de 1986, uma equipa enviada pelo J. L. B. Smith Institute of Ichthyology de Grahamstown, na África do Sul, inicia uma série de visitas de estudo ao arquipélago. Entre os membros contam-se Michael Bruton, Eugene Balon e Robin Stobbs. O saldo dessas visitas traduz-se na publicação de uma importante monografia sobre o celacanto - 1987 - Desde este ano até 1989 sucedem-se as visitas do Explorers Club sempre com o objectivo de tentar capturar um celacanto vivo. Porém, face aos repetidos falhanços, o líder do projecto conclui que o celacanto não se deixará apanhar nem com anzóis nem através das técnicas de pesca à linha. Após reformulação da estratégia, conseguem finalmente capturar quatro espécimes vivos utilizando gaiolas e com a ajuda de pescadores locais a profundidades entre 30 e 50 metros. O celacanto que mais tempo sobreviveu acabaria por morrer passado uma semana
- 1989 - A equipa Fricke, que já havia estado antes nas Ilhas Comores, regressa com o «Jago», um submersível apto para grandes profunidades. Num dos mergulhos, são descobertas cavernas submarinas habitadas durante o dia por grupos de celacantos. Esses grupos são filmados nas cavernas e são tentadas as primeiras contagens e identificações usando a tecnologia sónica
O Toba Aquarium do Japão lança neste mesmo ano uma ofensiva multimilionária para tentar capturar dois celacantos vivos para exibir. Nesse sentido, envia para aquela área um navio equipado com a mais avançada tecnologia. Ao chegar, o navio lança armadilhas especialmente desenhadas para esse efeito e as suas equipas, que incluem inúmeros pescadores e mergulhadores trazidos do Japão e das Filipinas, trabalham afincadamente. O esforço não foi recompensado, pois não tiveram qualquer sucesso - 1990 - O projecto do Explorers Club é reorientado para a manutenção de um tanque nas ilhas Comores concebido para tentar manter vivos celacantos que fossem capturados. Logo nas primeiras tentativas ficou claro o fracasso
Hans Fricke decide levar o submersível «Jago» para a África do Sul e percorrer a costa junto ao estuário do rio Chalumna, que fica muito perto de East London. A sua ideia era averiguar se por acaso o «primeiro celacanto» não pertenceria a alguma população existente nesse local e até à data desconhecida. Além de não ter conseguido observar celacantos, Hans Fricke verificou que a estrutura submarina da zona não condizia com as tipicamente ocupadas pelo peixe no seu habitat conhecido
Por esta altura, já haviam sido capturados, desde que fora descoberto o primeiro celacanto na África do Sul, mais de 200 espécimes, que tinham sido praticamente todos vendidos a museus e coleccionadores de todo o mundo - 1991 - Fricke e a equipa do «Jago» completam com sucesso o recenseamento sónico dos celacantos nas Comores. Uma das surpresas durante os trabalhos foi a constatação de que o peixe conseguia descer aos 700 metros de profundidade, o dobro da profundidade máxima que tinha sido observada até então. A equipa Fricke começa a catalogar comportamentos de indivíduos — guiando-se pelas suas pintas brancas para a identificação visual — e inicia estudos de DNA e a criação de bancos de DNA na Europa
No dia 11 de Agosto de 1991, uma fêmea de celacanto grávida deixa-se apanhar numa rede de arrasto na costa de Moçambique, o que segundo os registos até à data apenas tinha sucedido com o primeiro celacanto, em 1938. A fêmea continha 26 embriões — ou seja, mais 21 embriões do que o máximo que os cientistas estimavam poderem ser gerados numa só gestação —, e era enorme: media 178 centímetros, pesando 98 quilos. Apenas um celacanto das Comores que fora apanhado em 1960 rivalizava com esta, pois media 1,8 metros e tinha 95 quilos de peso - 1994 - O Explorers Club instala um tanque permanente nas Comores para tentar salvar celacantos que fossem caçados acidentalmente e constrói umas instalações onde pudessem recolher-se os exemplares mortos. O projecto avança numa parceria com uma instituição científica local, a C. N. D. R. S. e os quadros são quase todos nativos. Logo no ano seguinte, um celacanto consegue resistir 10 horas no tanque, após ter permanecido 15 horas na superfície do oceano. Esse tanque acabaria por ser desmantelado em 1997 pela população das Comores
Ainda em 1994, a equipa de Hans Fricke regressa para visitar as cavernas que já tinha monitorizado anteriormente, repetir o recensamento sónico e proceder à contagem da população. O resultado já indica uma redução de indivíduos - 1995 - Inquietos com o balanço desse recenseamento, os membros da equipa Fricke regressam outra vez para efectuar uma contagem mais minuciosa da população. É planeada a instalação de uma câmera subaquática permanente numa das cavernas e a fundação de um centro natural. Nesse sentido, é iniciada uma cooperação estreita com um grupo ambientalista local chamado Ulanga e com o projecto do Explorers Club, sendo que entre este último e a equipa Fricke já havia contactos frequentes
Entre 1995 e 1997 foi registada a captura por arrastões de dois celacantos em Madagáscar, factos que levantaram novas questões acerca da verdadeira extensão do habitat do peixe e do número de exemplares existentes. Mas o mais provável é que se tivessem desviado das Ilhas Comores pelas correntes do oceano. No primeiro semestre de 2001 seriam apanhados em Madagáscar, em redes de arrasto, mais dois exemplares - 1997 - Mark V. Erdmann, um biólogo da Berkeley University que se encontrava em lua-de-mel na Indonésia, encontra, no mercado de peixe de Manado, um celacanto que acabara de ser capturado por um pescador local. Nessa altura descobre que o peixe era frequentemente apanhado na zona e que as gentes locais lhe chamavam «raja laut», ou seja, o «rei do mar»
Os estudos de DNA efectuados nesse exemplar confirmam que se trata de uma segunda espécie de celacanto, sendo-lhe dado o nome de Latimeria menadoensis. A análise molecular permitiu ainda calcular que a nova espécie se teria separado dos seus «irmãos» das Comores há 5,5 milhões de anos no mínimo e 11 milhões no máximo - 1998 - Dez meses depois de ter descoberto a nova espécie de celacanto no mercado de Manado, Mark Erdmann e o seu colega indonésio Kasim Moosa conseguem por fim identificar uma colónia num local a Norte de Sulawesi, na Indonésia
A Coelacanth Rescue Mission lança nas águas das Comores «kits» de alerta de grande profundidade destinados a avisar os arrastões e a tentar reduzir a pesca acidental de celacantos nesses locais - 1999 - O biólogo marinho francês Raphael Plante e vários delegados de diversas associações visitam as Comores para determinar a viabilidade da criação de uma área de protecção do celacanto na costa sudoeste da ilha Grand Comore, local onde a maior parte das pesquisas com submersíveis tinham sido feitas
Durante os meses de Novembro e Dezembro, o grupo de mergulho da equipa Fricke procura na Indonésia a população de celacantos do Norte de Sulawesi, utilizando o submersível «Jago». Conseguem filmar dois celacantos numa caverna mas num ambiente bastante distinto do que tinham visto no habitat das Comores. O grupo conclui não ter conseguido encontrar a colónia base e que essa população — possivelmente ancestral tanto aos celacantos das Comores como inclusivamente aos da Indonésia — estaria ainda por descobrir - 2000 - Jerome Hamlin, da Coelacanth Rescue Mission, conduz três expedições às Comores para distribuir «kits» de alerta de grande profundidade e tentar sensibilizar as gentes nativas para a urgente necessidade de proteger o celacanto, designadamente fazendo palestras e distribuindo t-shirts. Um projecto complementar é instalar uma piscina de recuperação de celacantos. Com a primeira distribuição de «kits» de alerta em Anjouan inicia-se logo ali um programa de preservação do celacanto
No dia 23 de Outubro, realiza-se o primeiro «International Coelacanth Mini Symposium» na ilha de Bali, na Indonésia. Sob a direcção de Mark Erdmann e James Albert, é assinado um protocolo para regular as futuras pesquisas envolvendo o celacanto, com vista a assegurar a sua conservação
No mês seguinte, em Novembro, a «Jago Dive Team» visita as Comore com o seu submersível e realiza novo recenseamento da população de celacantos da Grand Comore. Finda a tarefa, relatam que o número de celacantos regressou aos níveis de 1994 mas que as cavernas habitadas ao longo da costa eram menos do que inicialmente se supunha. A população total foi estimada entre 200 a 300 celacantos
Entretanto, na África do Sul, Pieter Venter e a sua equipa, que tinham arrancado com a «Coelacanth Expedition 2000» por estarem convencidos de que haveria colónias na costa nordeste, abaixo da Ponta do Ouro — que marca na costa a fronteira da África do Sul com Moçambique —, descobriam pelo menos três celacantos vivos ao longo das escarpas submarinas da baía de Sodwana
Se esses peixes tivessem um DNA distinto das duas espécies identificadas, representariam uma nova população. Assim, o grupo de Venter decide mergulhar utilizando uma mistura de gases e acaba por conseguir encontrar os peixes a relativamente pouca profundidade: cerca de 106 metros. Um dos mergulhadores não consegue sobreviver ao esforço - 2001 - Em Maio deste ano, Pieter Venter e a equipa da «Coelacanth Expedition 2000» voltam a repetir os mergulhos na baía de Sodwana e descobrem mais três exemplares, dois deles que ainda não tinham sido vistos, sendo que um media cerca de 2 metros, ou seja, provavelmente será o maior já visto até hoje. Desta vez os pesquisadores conseguiram fotografá-los e filmá-los
Fonte: Coelacanth Rescue Mission