O íctio ou a "doença dos pontos brancos"
Mais conhecido por "doença dos pontos brancos", o íctio é uma das patologias mais comuns nos aquários de água doce, sendo recorrente o aparecimento de surtos, apesar de estes poderem evitar-se e tratar com relativa facilidade. Na origem desta doença está um protozoário unicelular ciliado com o nome científico de Ichthyophthirius multifiliis, que ataca os peixes quando por alguma razão estes se encontram mais fragilizados, prendendo-se ao corpo deles, bem como às suas barbatanas e também às guelras, para passar a alimentar-se dos tecidos do hospedeiro.
O nome vulgar "íctio" é um diminutivo do seu nome científico genérico e este grupo de parasitas chamam-se “ciliados” pelo facto de a sua célula estar dotada de uns organelos em forma de pêlos chamados cílios, que lhes servem de tentáculos sugadores para se alimentarem, bem como para nadarem, para se fixarem e também para captarem sensações sobre o meio em que estão. Já a segunda parte do binómio, o termo multifiliis, deve-se à elevadíssima taxa de multiplicação deste protozoário num lapso temporal muito curto.
A razão pela qual o íctio também é muito referido como a “doença dos pontos brancos” é porque os peixes infectados desenvolvem tipicamente pequenas lesões visíveis a olho nu com o aspecto de pontinhos brancos com cerca de 1 mm, semelhantes a bolas, sobre a pele e as barbatanas. Todavia, pode dar-se também o caso de a infecção se restringir às brânquias do peixe, uma situação em que já não se conseguem ver os pontos brancos por estarem ocultos sob os opérculos. Este ectoparasita infecta praticamente todos os peixes de água doce, multiplica-se a um ritmo mesmo muito rápido e é altamente contagioso, pelo que se a doença não for adequadamente tratada pode causar uma elevada taxa de mortalidade num período relativamente curto. Algumas espécies são mais sensíveis a infecções por íctio do que outras, mas a realidade é que nenhuma espécie possui uma resistência natural completa contra o parasita.
O ciclo de vida do íctio
Perceber com clareza o ciclo de vida do Ichthyophthirius multifiliis é fundamental para um tratamento eficaz, pois este protozoário tem três estágios de desenvolvimento, designadamente a fase de trofonte parasítico, a fase de tomonte reprodutivo e finalmente a fase de teronte infeccioso. A duração de cada uma das etapas do ciclo depende muito da temperatura da água, pois quanto mais elevada ela for também mais acelerada será a evolução do ciclo. É precisamente na fase de trofonte parasítico que os tais pontos brancos são visíveis, pois nessa etapa o protozoário vive totalmente agarrado à pele do hospedeiro, causando-lhe danos sérios nos tecidos, uma vez que está a retirar deles o alimento de que necessita para se desenvolver.
Os pontos brancos resultam das pequenas feridas que são criadas por este protozoário na pele do peixe e correspondem a cistos com colónias de centenas de parasitas a desenvolverem-se dentro deles. Apesar de esta ser a fase mais perigosa da doença, uma vez que a severidade dos danos causados pode levar à morte do hospedeiro, os medicamentos não surtem qualquer efeito. A única medida com um efeito imediato relevante nesta etapa é aumentar o mais rapidamente possível a temperatura para valores mais elevados (entre 30 a 32°C) e reforçar simultaneamente a ventilação do tanque para manter a concentração de oxigénio dissolvido alta, pois o calor acelera o ciclo de desenvolvimento do parasita. Isto, claro está, apenas no caso de a espécie do peixe que está doente tolerar tanto calor.
Só quando o trofonte está suficientemente maduro para se tornar um tomonte reprodutivo é que deixa finalmente o peixe hospedeiro. Deixa-se então cair na água, para se prender aos lados e ao fundo do aquário, altura em que passa a segregar uma parede de cisto para se proteger. Cada um dos tomontes começa então a dividir-se por mitose, dando origem a inúmeros tomitas: começa por passar de uma célula para duas, depois volta a dividir-se sucessivamente e essa sequência de divisões pode produzir entre 100 a 1.000 novos tomitas a partir de um único cisto, os quais se converterão em terontes infecciosos assim que saírem dele. O facto de se manter nesta etapa a temperatura da água muito elevada já ajuda a controlar a multiplicação do parasita, pois além do calor excessivo destruir a membrana exterior que protege a sua célula e acabar mesmo por quebrá-la — este processo de dissolução da célula pela ruptura da sua membrana plasmática chama-se "lise celular" —, também a função reprodutiva do protozoário é profundamente afectada pela temperatura alta, uma vez que cada célula se depara com mais esse obstáculo para conseguir dividir-se com sucesso.
Quando os terontes infecciosos saem finalmente do cisto, entram na terceira fase do seu ciclo de vida e começam a nadar livremente, à procura de peixes que possam atacar novamente para se fixarem. Os terontes conseguem manter-se livres na coluna de água durante 2 ou 3 dias e acabam por morrer se findo esse prazo não conseguirem encontrar um hospedeiro para atacar. É nesta fase de estado livre que os medicamentos na água actuam com mais eficácia, além de que muitos dos remédios comerciais anti-íctio contêm também agentes activos tendentes a evitar infecções bacterianas nas lesões e acelerar a cicatrização das feridas abertas. Assim que encontrem um peixe para se fixarem, enterram o seu epitélio na pele do hospedeiro e voltam a entrar na etapa de trofontes parasíticos, alimentando-se dos tecidos do peixe sob a zona que circunda o ponto onde se estabeleceram até atingirem o tamanho maduro.
Diagnóstico do íctio
Entre as causas mais comuns desta doença surgem à cabeça as oscilações bruscas da temperatura da água, em particular se a variação for para menos e superior a 2-3°C, dependendo da sensibilidade da espécie. Os casos mais frequentes devem-se às quebras de temperatura que se verificam quando o tanque fica exposto a uma corrente de ar ou se encontra num sítio em que se registem variações fortes e rápidas de temperatura, em particular durante os dias mais frios do Inverno. Contudo, também é relativamente vulgar surgirem surtos da doença nas trocas de água em que a temperatura da água usada na reposição é bastante diferente. Esses choques térmicos causam choques aos peixes e deixam-nos particularmente atreitos a ataques de íctio.
Outras causas comuns são as más condições do transporte e a má aclimatação dos peixes, pois a introdução de um novo morador já contaminado ou mesmo fragilizado pode vir contagiar os peixes que já se encontrem no tanque. Todavia, existem várias outras situações em que o parasita também ataca, designadamente se o aquário estiver mal mantido — insuficientes mudanças regulares de água, sobrelotação, etc — ou ainda se for introduzido no ambiente um elemento qualquer que já esteja contaminado e espolete o contágio, sendo que aqui não estamos apenas a falar de outro peixe, pois esse elemento pode ser uma planta, uma rocha, um tronco ou até mesmo um camaroeiro usado noutro tanque que esteja afectado.
Para evitar que os peixes fiquem gravemente infectados e realizar um tratamento eficaz, a detecção precoce da infecção parasitária é crítica. Em qualquer tanque os peixes necessitam de pelos menos uns minutos de atenção por dia, que nos permitam detectar qualquer comportamento incomum, especialmente nas primeiras duas a três semanas após terem sido adicionados ao aquário. Na fase inicial da infecção é frequente não haver sequer pontos brancos visíveis no peixe, pelo que um diagnóstico precoce assenta na observação dos peixes. Aliás, mesmo nos dias seguintes, quando os pontos ainda são pouco numerosos, pode ser difícil identificar o parasita através de uma simples observação visual. No entanto, mesmo antes disso o comportamento do peixe afectado já transmitirá diversos sinais de que está seriamente incomodado, alguns bastante óbvios.
Entre esses sinais contam-se estremecer as barbatanas ou dar arranques repetinos (um sinal claro de que alguma coisa na água o está a irritar e que ele está a tentar escapar disso), bem como roçar-se nos elementos paisagísticos existentes no tanque (sejam as rochas, troncos ou o areão), como se ele estivesse a querer coçar-se para se libertar de algo que o está a incomodar na pele (porque de facto está), ou até a saltar para fora da água. Como o íctio tende também a fixar-se nas brânquias do peixe, interfere assim na normal respiração do hospedeiro, prejudicando-a, pelo que também é frequente ver o peixe afectado com a respiração acelerada, a manter-se mesmo sob a superfície para tentar respirar ar ou então a deixar-se permanecer junto ao filtro, num ponto que lhe permita obter mais oxigénio. Daí também a razão de se ter de reforçar a oxigenação da água.
Na fase mais avançada podem-se ver claramente os típicos pontos brancos da doença, com cerca de 1mm de diâmetro, sobre o corpo do peixe, sendo que os pontos tanto podem estar separados como bastante juntos, aparentando formar grupos. Caso as brânquias estejam com uma cor avermelhada, isso é um sinal de que as suas guelras estão inflamadas e que haverá também provavelmente parasitas a irritá-las. Se os peixes forem tratados numa fase precoce do surto da doença ou se a infecção ainda for relativamente ligeira, as hipóteses de sobrevivência serão muito sempre melhores do que estando o peixe severamente infectado. Já os peixes mais fragilizados costumam ainda apresentar outros sinais físicos e comportamentais indicadores de que algo está errado com eles, designadamente apatia, nadarem de forma parada ou errática, terem as barbatanas encolhidas e terem falta de apetite.
Tratamento do íctio
Sempre que forem visíveis pontos brancos sobre a pele ou as barbatanas de um peixe há motivo para suspeitar que o tanque está provavelmente infectado pelo parasita. O diagnóstico geralmente é fácil de confirmar e sendo assim torna-se necessário avançar de imediato com o tratamento para salvar o peixe infectado. Como acabámos de ver, a taxa de reprodução destes parasitas é elevada e também extremamente rápida, pois com a água a uma temperatura entre 22 a 25°C cada trofonte maduro pode produzir entre várias centenas a um milhar de terontes infecciosos em menos de 24 horas, sendo que a essa temperatura costuma também permanecer agarrado ao corpo do peixe por entre 5 a 7 dias.
Ou seja, além de se subir a temperatura e a oxigenação como já foi indicado, recomenda-se que seja simultaneamente aplicado um bom anti-íctio na água, sobretudo se os peixes que foram infectados já demonstrarem sinais de estarem debilitados. Caso o sistema de filtragem contenha carvão activado, deve-se retirá-lo antes de aplicar o remédio, para não afectar a sua acção terapêutica. Lembre-se também de trocar a água antes do início do tratamento com o remédio, sendo que adicionar água um pouco mais quente que a do tanque acelera logo o aumento de temperatura do primeiro dia. As condições de temperatura elevada para o tratamento contra o íctio deverão prolongar-se por um prazo mínimo de 10 dias, mesmo que entretanto já esteja concluída a duração da aplicação do remédio prescrita na posologia.
Vimos há pouco que o tratamento com recurso a químicos na água é ineficaz contra o parasita na fase da infecção em que penetrou no tecido do peixe doente, uma vez que níveis de concentração suficientemente altos para matar os trofontes também não seriam por seu turno tolerados pelos peixes. Todavia, também já vimos que um bom remédio anti-íctio não só ajuda a desinfectar as feridas dos hospedeiros atacados, como também é uma excelente ajuda contra os tomontes reprodutivos e os terontes infecciosos quando eles ainda estão na água, antes de voltarem a penetrar nos peixes como trofontes. Pelo simples facto de esta doença ser tão comum, é muito fácil encontrar em qualquer loja de aquariofilia medicamentos comerciais pré-preparados com uma combinação de agentes químicos específicos para tratar o íctio.
A maior parte desses produtos comerciais contra o íctio contêm formaldeído, verde de malaquite e sulfato de cobre, ou então uma combinação de formaldeído e verde de malaquite, ou ainda uma combinação de sulfato de cobre e verde de malaquite. Se houver peixes muito infectados, será melhor transferi-los para um tanque-hospital, evitando-se assim desgastar os peixes saudáveis com o tratamento e com a vantagem acrescida de se consumir bastante menos quantidade de produtos químicos num tanque mais pequeno. Para remover com sucesso os parasitas do peixe infectado deve manter-se a parte química do tratamento durante 5 dias a uma semana, no mínimo. Concluída a parte química do tratamento devem-se aguardar mais entre 3 a 5 dias para começar a reduzir gradualmente a temperatura. No caso de se ter utilizado sal, a sua concentração também deve ser gradualmente reduzida mediante o recurso a trocas de água de 30%.
Se o aquário tiver plantas, convém retirá-las imediatamente antes de se aumentar a temperatura pois elas sofrem com o calor excessivo, sobretudo por um período tão prolongado. Basta deixá-las num recipiente com a água do aquário durante o prazo do tratamento, até porque ao fim de poucos dias estarão totalmente livres dos parasitas. Mas a temperatura alta é um factor coadjuvante essencial, pois enquanto a uma temperatura de 4 a 5°C a duração do ciclo de vida útil completo do íctio pode estender-se por entre 10 a 12 semanas, de 9 a 10°C já demora apenas 3 semanas e a uma temperatura de 24 a 25°C bastam só 6 dias para que se complete. Acima dos 30 graus, como já foi referido, interrompe-se grande parte do ciclo, tanto na fase em que os protozoários se encontram no estado livre como na fase da sua multiplicação.
Existem outros métodos utilizados por diversos aquariófilos experientes que podem ser eficazes para tratar a infecção ou pelo menos para acelerar o tratamento e que consistem designadamente em fazer circular a água do tanque através de um filtro UV (a radiação ultra-violeta destrói o protozoário), por adicionar sal marinho à água (numa dose de 3-5 gramas por litro durante 15 dias) ou até mesmo por mudar parte da água e sifonar bem o substrato. O sal marinho, conjuntamente com o aumento da temperatura, revela-se geralmente eficaz para tratar o íctio e matar o parasita, pois além de ajudar os peixes a reforçarem o muco protector do exterior do seu corpo e de ter propriedades desinfectantes e bactericidas que podem ajudar à recuperação das lesões, também está demonstrado que o sal interfere significativamente na fluidez da membrana que protege a célula deste protozoário, obrigando a um ajuste da sua composição lipídica à salinidade.
Todavia, tal como sucede com o aumento da temperatura, deve-se conferir primeiro se as espécies que temos no aquário toleram estes métodos, pois a maior parte das plantas não tolera o sal e muitas espécies de peixes também não. Em teoria a troca de água e a limpeza do substrato apresentam a vantagem de aumentarem a higiene e reduzirem muito significativamente a quantidade total de protozoários presentes no ambiente, mas em contrapartida podem também ser um novo factor de stress para os peixes já debilitados. Já a utilização de um filtro UV, além de ser extremamente eficaz na erradicação de protozoários, não apresenta quaisquer contra-indicações. A única desvantagem deste tipo de filtros reside no preço, pois geralmente são caros.
Muitos estudos realizados até à data sobre o íctio permitiram concluir que os organismos dos peixes que sobrevivem a um surto infeccioso por este parasita acabam por desenvolver uma imunidade e tornam-se resistentes às reinfecções. As análises feitas aos fluidos corporais e ao muco protector de peixes imunes demonstraram que contêm anti-corpos extremamente eficazes contra o parasita e que quando os terontes infecciosos entram em contacto com esses anti-corpos ficam totalmente paralizados, perdendo de imediato a sua capacidade de nadar.
Esses anti-corpos dos peixes imunes fazem também com que os protozoários não se consigam fixar ao corpo deles, impedindo-os de se estabelecerem e de os voltarem a usar como hospedeiros. Segundo a «Tropical Fish Hobbyst Magazine», alguns estudos recentes indicam que as vacinas contra o íctio tendentes a induzir uma imunização protectora podem vir a ser uma realidade em breve, fornecendo uma solução preventiva muito eficaz contra esta doença parasitária através da simples vacinação dos peixes que nunca foram afectados, em vez de se terem de continuar a fazer tratamentos químicos sempre que o problema os afecta.
Nota: entre as substâncias tradicionalmente mais usadas para combater ataques de ectoparasitas conta-se o azul de metileno, produto que continua a ser relativamente fácil de encontrar em muitas lojas de aquariofilia, sobretudo sob a forma de produtos pré-preparados comercialmente. Embora apresente uma elevada eficácia contra as infecções externas por protozoários, o azul de metileno passou desde há alguns anos a ser considerado um remédio antiquado devido aos efeitos muito negativos que tem sobre as colónias de bactérias nitrificantes, pois origina níveis de amónia e de nitrogénio tóxicos.
Outro elemento eficaz como tratamento contra este parasita é o cobre, mas a sua utilização pelos aquariófilos inexperientes sem ser em remédios produzidos pelas marcas é fortemente desaconselhada não só porque se trata de um remédio muitíssimo tóxico mesmo em concentrações mínimas (a dosagem recomendada é de 0,15-0,3 mg/l e a concentração máxima são 0,4 mg/l, sendo portanto muito elevado o risco de uma sobredosagem) como também a sua toxicidade aumenta exponencialmente quanto menor for a mineralização da água.