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A história da aquariofilia

Algumas espécies ainda não conseguem ser reproduzidas em cativeiro

Já alguma vez se interrogou sobre como nasceu o nosso passatempo? É tido como certo e sabido que o hábito de manter peixes ornamentais em cativeiro, a começar pelos lagos domésticos, teve a sua origem na China, há alguns milhares de anos. Por outro lado, existem igualmente indícios de que antes deles os sumérios já mantinham peixes em lagos artificiais há pelo menos 4.500 anos. Além de que os assírios e os antigos egípcios, bem como os gregos e os romanos, também já decoravam os seus jardins com tanques de água doce povoados por peixes coloridos.

 

O próprio Aristóteles (384-322 a.C.), nos seus trabalhos sobre biologia e zoologia, começou a documentar hábitos e espécies de peixes locais. Todavia, suspeita-se que nessas culturas antigas a maior parte dos peixes conservados em cativeiro seriam sobretudo para consumo como alimento. Os primeiros registos de uma aquariofilia mais a sério datam da Idade Média, na China, durante a dinastia Sung, por volta do ano 960 d.C., altura em que foram capturados num riacho próximo da aldeia de Tchang-U exemplares de «peixes vermelhos», que não eram mais do que mutações genéticas douradas do hoje conhecido Carassius auratus. Logo nos anos a seguir, a moda de manter esses peixes mais coloridos em lagos ganhou tanta popularidade entre as classes abastadas que entre os anos 968 e 975 foram publicadas leis que estipulavam que era estritamente proibido comer esses peixinhos.

 

Depois disso — e durante várias décadas —, esses peixes particularmente coloridos e vistosos foram sendo reproduzidos e criados um pouco por toda a China, com vista a obter distintas variações de cores e de formas. Em 1136, o imperador Hiau-Tsung começou a manter e a reproduzir espécies de peixes mais decorativos num ambiente mais controlado e assim surgiram muitas variedades novas, facto que ajudou a torná-los ainda mais populares e conhecidos em todo o país. Em 1510, os «peixinhos vermelhos» já não eram apenas um luxo para os privilegiados, mas algo acessível para todas as pessoas, e muitas casas chinesas já tinham lagos com peixes para fins de lazer. Os fornecedores também já os conseguiam reproduzir em cativeiro com relativa facilidade, mas era muito comum manterem em absoluto segredo as técnicas de criação de sucesso.

 

Só passado alguns séculos é que essas técnicas de criação e os métodos e truques utilizados para obter variações genéticas acabariam por ser estudados e recolhidos por Chang Chi-En Tsê, um autor chinês que viveu no século XVI e que os estudiosos costumam apontar como sendo o «pai» da aquariofilia. Isto porque Chang Chi-En Tsê escreveu em 1596 o primeiro ensaio conhecido sobre as espécies de peixes ornamentais que podiam ser mantidas em cativeiro, que na altura eram apenas os popularmente denominados «peixes vermelhos». Esse livro era um «manual prático» e para que não restassem dúvidas sobre o tema, intitulava-se «Livro dos Peixes Vermelhos» ou, para sermos mais precisos, «Chu Sha Jou P’ U» no original, em chinês. Na sua obra Chang Chi-En Tsê descreveu as técnicas de criação utilizadas na época de uma maneira tal que lhe valeu o apreço de o seu livro ser ainda hoje considerado o primeiro trabalho sério de que se tem notícia sobre o tema da piscicultura.

 

Da China para o mundo através de Portugal

 

Poucos anos depois, em 1616, a moda dos peixinhos vermelhos chegou ao Japão e muito rapidamente os criadores japoneses passaram a dominar a criação deste tipo de peixes. De tal modo que passaram mesmo a ser algumas décadas depois os maiores exportadores de «peixinhos vermelhos» para todo o mundo. Aliás, acabariam mesmo por se tornarem também numa referência na produção das variantes coloridas de outra espécie igualmente originária do continente asiático (nativa da China, Laos e Vietname) e que já era criada há séculos em cativeiro na China, desde a dinastia Tang: a Carpa de Amur (Cyprinus rubrofuscus). E essas variantes, que continuam ainda hoje a ser muito desenvolvidas no Japão, chamaram Carpas Koi, diminutivo de Nishikigoi, que significa literalmente «carpas brocadas», numa alusão aos tecidos brocados, ricamente decorados.

 

Foi através de Portugal que os peixes ornamentais oriundos da China e do Japão fizeram a sua aparição na Europa, corria o ano de 1691. A partir do nosso País chegaram à Inglaterra em 1728 e durante o século XVIII a manutenção de peixes com propósitos decorativos tornou-se uma actividade popular nas classes privilegiadas europeias. Em 1780 a Holanda tornava-se o primeiro país na Europa a conseguir reproduzir os «peixinhos vermelhos» em cativeiro, contribuindo assim para os tornar mais acessíveis a todos no Velho Continente. Todavia, só no ano de 1850 é que estes peixes atravessaram o Atlântico e chegaram ao Novo Mundo, tornando-se numa verdadeira moda em Nova York em 1865. Aliás, na sequência deste sucesso, viria até a instalar-se em 1888, no estado de Maryland, o primeiro criador de peixes ornamentais dos Estados Unidos.

 

Importa contudo salientar que o ano de 1850 também marcou uma data importantíssima na história da aquariofilia. Apesar de até essa data terem sido feitas várias experiências para manter aquários estabilizados usando organismos aquáticos — a começar pelos trabalhos desenvolvidos pelo biólogo marinho francês Jeanne Villepreux-Power —, a verdade é que antes disso os peixes ainda eram mantidos por meios bastante rudimentares. Ora foi em 1850, em Inglaterra, que o químico Robert Warrington conseguiu criar o primeiro aquário «moderno», que tinha como habitantes os famosos «peixinhos vermelhos», Vallisnerias e caracóis. Esse aquário era uma estrutura em vidro com areia no fundo, tinha um volume de quase 50 litros e foi estabilizado seguindo os princípios bioquímicos dos trabalhos do químico Priestley e do zoólogo Johnson, que tinham sustentado que as plantas aquáticas num recipiente conseguiriam produzir oxigénio suficiente para os animais que lá estivessem, contanto que o número destes últimos não se tornasse demasiado grande.

 

Os primórdios do conceito de ciclo natural

 

A teoria de Robert Warrington era que as plantas no seu aquário podiam fornecer oxigénio suficiente aos peixes e aos caracóis e assim eles podiam viver para sempre naquele microecossistema. As plantas forneceriam o oxigénio, os caracóis comeriam as plantas decompostas e poriam ovos e os peixes alimentar-se-iam dos ovos de caracol... Na ingénua opinião do químico britânico, o ciclo era naturalmente perfeito. O certo é que, por mais improvável que essa teoria nos possa parecer nos dias de hoje, a partir daí os aquários passaram a ser muito mais bem sucedidos e tornaram-se num motivo de interesse popular que se espalhou rapidamente. Na Exposição Universal de 1851, realizada em Londres, foram apresentados aquários ornamentados em molduras de ferro fundido altamente trabalhadas, com uma estética muito agradável e a preços que os tornavam acessíveis a muito mais pessoas.

 

Um aquário de 1850 com Vallisneria spiralis, Egeria densa e peixes de água fria
Um aquário de 1850 com Vallisneria spiralis, Egeria densa e peixes de água fria

Dois anos depois, em 1853, a mania dos aquários explodia em Inglaterra, pela mão do naturalista Philip Henry Gosse, que instalou e escolheu as espécies do primeiro aquário público, situado em Regent's Park, no jardim zoológico de Londres, e inaugurado em Maio desse mesmo ano. Curiosamente, a «Fish House», como veio a ser conhecido o primeiro aquário público, foi construída como uma estufa. Segundo reza a história, foi também P. H. Gosse quem acabou por vulgarizar a palavra «aquário» — pois até então mais utilizados outros termos, como «viveiro aquático» ou «aquário-viveiro», por exemplo —, ao utilizá-la de forma corrente no seu livro «O Aquário: Uma Revelação das Maravilhas do Mar Profundo», publicado em 1854 e onde ele abordava sobretudo os aquários de água salgada. Mas até os tanques existentes na «Fish House» criada por ele continuavam sem utilizar sistemas de filtragem nem aquecedores, pelo menos nada que se pudesse considerar minimamente como precursor da linha dos sistemas que conhecemos hoje.

 

Em 1856 voltaram a registar-se mais dois pontos marcantes para o desenvolvimento do hobby: o primeiro foi a abertura do primeiro aquário público nos Estados Unidos por P.T. Barnum, em plena Broadway, no centro de Nova Iorque, como parte do seu famoso American Museum (que acabaria por ser incendiado em 1865, literalmente cozendo vivas duas baleias que lá existiam...), e o segundo foi a publicação na Alemanha por Emil Adolf Rossmässler de um inovador ensaios intitulado «O Mar num Copo», um documento que é reconhecido como tendo sido decisivo para a evolução do passatempo. O ano de 1859 ficou assinalado pela fundação do Boston Aquarial Gardens, no estado de Massachussets — segundo a publicidade da época, estava «cheio de animais marinhos raros importados e recolhidos exclusivamente para o estabelecimento» —, que se tornava assim no segundo aquário público a abrir nos Estados Unidos.

 

A partir daí foram sendo sucessivamente abertos muitos aquários na Europa. Em 1860 foram inaugurados em França e na Áustria, respectivamente, o Jardin d'Acclimatation em Paris e o Viennese Aquarium Salon em Viena, este último pela mão do naturalista alemão Gustav Jäger. Em 1864 abriu o Marine Aquarium Temple na Alemanha como parte do Jardim Zoológico de Hamburgo, seguindo-se-lhe o aquário de Berlim, este em 1869. Em 1872 abria mais um aquário no Reino Unido, na cidade de Brighton, e em 1873 era a vez de Itália inaugurar a Stazione Zoologica Anton Dohrn, na cidade de Nápoles. Curiosamente, apesar do aquário de Brighton já ter sido exaustivamente remodelado desde a sua fundação, ainda discute hoje com o aquário de Nápoles a reivindicação do título de «aquário mais antigo do mundo».

 

A sedução pela descoberta da Natureza exótica

 

Resumindo, a explosão de aquários públicos revelava que a moda de contemplar peixes e seres aquáticos ao vivo tinha vindo para ficar. Os cidadãos já não precisavam de ficar limitados aos exemplares embalsamados nos museus e podiam vê-los vivos, em plena actividade e em todo o seu esplendor. Por outro lado, desde que Charles Darwin tinha publicado a controversa teoria do Evolucionismo no livro «A Origem das Espécies», em 1859, que a Ciência tinha entrado numa fase áurea e passado a galvanizar o interesse do público, pelo que muitos naturalistas partiam para explorar as zonas mais remotas do globo à procura de novas espécies. E partiam nessas expedições não somente pelo prestígio de serem eles a descobrir as novas espécies como pela crescente procura de exemplares que pudessem enriquecer centros de investigação, museus, sociedades zoológicas e botânicas, aquários públicos e até colecções particulares.

 

Entretanto, nos aquários dos lares europeus também já havia espécies mais exóticas, de peixes de águas tropicais, pelo menos desde 1869, ano em que um soldado francês chamado Gerault introduziu no mercado o Peixe Paraíso (Macropodus opercularis). De acordo com os registos históricos, dos primeiros 100 exemplares desta espécie que foram embarcados, apenas sobreviveram 22 que acabaram por ser criados com sucesso no mesmo ano por outro francês, o parisiense Pierre Carbonnier. A partir daí passaram a ser importadas tanto para a Europa como para os Estados Unidos inúmeras espécies de peixes ornamentais oriundas de águas tropicais. Para manter aquecida a água onde essas espécies eram mantidas utilizavam-se lamparinas estrategicamente colocadas sob a base metálica dos aquários, uma inovação que marcou o design dos aquários produzidos em Inglaterra durante a época Vitoriana.

 

Para dar resposta ao crescente interesse do público pela aquariofilia, começavam também a ser publicados os primeiros livros: em 1858 foi lançado nos Estados Unidos o livro «The Family Aquarium», da autoria de Henry D. Butler, que é considerado como um dos primeiros livros escritos versando apenas sobre o tema dos aquários. De acordo com a edição de Julho desse mesmo ano da revista «The North American Review», o reputado cientista William Stimson, especialista em biologia marinha e um dos primeiros impulsionadores da Smithsonian Institution, mantinha sete ou oito aquários funcionais em casa. Durante a década de 1870 surgiram na Alemanha algumas das primeiras sociedades de aquariófilos, seguindo-se os Estados Unidos, com primeira sociedade norte-americana de aficionados a ser fundada em Nova Iorque em 1893. Mas muitas outras lhes seguiram, pois o interesse do público crescia exponencialmente. Finalmente, em Outubro de 1876 era publicado pela primeira vez o «New York Aquarium Journal», que é considerado a primeira revista de aquariofilia do mundo.

 

O dealbar da aquariofilia moderna

 

Porém, numa perspectiva mais rigorosa, ou seja, sob um ponto de vista que privilegie a análise científica, o maior mestre da aquariologia que o mundo conheceu até à data foi William Thorton Innes. Nascido em 1874 em Filadélfia, no estado de New Jersey, W. T. Innes foi um apaixonado convicto que dedicou a sua vida ao serviço desta ciência e desde muito cedo evidenciou que estava empenhado em destacar os seus trabalhos escritos pela seriedade, rigor e sustentação científica. De facto, os seus livros muito contribuíram para a evolução do nosso hobby. Ao aliar a sua sede de conhecimento sobre a vida subaquática à sua outra grande paixão, a fotografia — que o ajudou a obter excelentes fotos de peixes, aquários, plantas aquáticas e regiões que visitou — Innes foi de facto o grande pioneiro no estudo dos peixes ornamentais.

 

O seu primeiro livro sobre peixes ornamentais e aquários foi publicado em 1908, precisamente o mesmo ano em que foi introduzida a primeira bomba de ar no hobby. Seis anos depois, em 1914, lançava a primeira revista americana verdadeiramente especializada sobre o tema, com o título «The Aquarium». Com a continuação das suas pesquisas e estudos viria a publicar em 1917 o livro «Goldfish Varieties and Tropical Aquarium Fishes» — que, traduzido, significa «Variedades de Peixes Dourados e Peixes Tropicais de Aquário» —, um manual muito completo que foi um sucesso de vendas na altura. Seguiu-se-lhe a fundação de uma sociedade de aquariófilos na sua cidade natal e inúmeras viagens a destinos conhecidos pela sua riqueza de espécies exóticas. O resultado dessas experiências e da sua própria prepararação como ictiólogo, aquariólogo e fotógrafo-amador foram obras que atingiram um grande público, pois na sua escrita ele conseguia transformar a ciência em algo simples, interessante e objectivo.

 

William Thorton Innes viria a falecer em 1967. O seu legado para a aquariologia foi imenso, de que é exemplo claro a sua principal obra, «Exotic Aquarium Fishes», ainda hoje considerada uma "bíblia" da aquariofilia. Trata-se uma obra monumental, muito completa e especializada, que percorreu os quatro cantos do mundo e que deveria ser de leitura obrigatória para qualquer aquariófilo que se preze. Deixou também um enorme espólio fotográfico de excelentes fotos, tanto a preto e branco como a cores, sobre peixes e plantas.

 

De facto, se em 1928 já havia 45 aquários públicos ou comerciais em todo o mundo, o seu aumento apenas desacelerou, com poucos aquários novos a aparecerem até depois da Segunda Guerra Mundial, altura em que voltaram em força. Desde então têm-se multiplicado a um ritmo que cresce década após década e são hoje cada vez maiores, cada vez mais espectaculares. Entretanto, desde a segunda metade do século XX foram sendo desenvolvidos equipamentos cada vez mais sofisticados (filtros, aquecimentos, testes, acessórios, etc), que vieram tornar tudo mais fácil para o aficionado comum. Nos dias de hoje a aquariofilia é um passatempo corrente em praticamente todos os países do mundo desenvolvido, com particular destaque para os Estados Unidos, a Alemanha, a Holanda, a Bélgica, o Reino Unido, o Japão e a França.

 

Certos países como Singapura, a Tailândia, a Malásia e a Indonésia, por exemplo, têm apostado na criação de espécies exóticas em cativeiro para exportação como uma importante fonte de receitas. De facto, a manutenção em cativeiro de peixes ornamentais é hoje um passatempo para milhões de pessoas em todo o mundo, só sendo ultrapassada pelo coleccionismo de selos. Só nos Estados Unidos, por exemplo, estima-se que existam presentemente mais de 7 milhões de aquários domésticos activos, ou seja, contendo centenas e centenas de espécies distintas.

 

Bibliografia:

 

Brunne, Bernd (2005): «The Ocean at Home: An Illustrated History of the Aquarium», Princeton Architectural Press, New York, NY, EUA

 

Innes, William T. (1966): «Exotic Aquarium Fishes», T. F. H. Publications, Neptune City, NJ, EUA