Avanço da ciência mudará a classificação das espécies?
Avanço da ciência mudará a classificação das espécies?
Afinal de contas, de que espécie és tu?... Ao ritmo a que têm decorrido os avanços na biotecnologia, esta pergunta promete vir em breve a ganhar um novo contexto. E não pense, caro leitor, que estamos a referir-nos exclusivamente às experiências de produção de exemplares geneticamente manipulados que têm sido levadas a cabo em laboratórios desde há vários anos — aliás, com resultados absolutamente espantosos no domínio concreto da ictiologia, como temos podido constatar. Nada disso: os estudos mais recentes na área da genética efectuados na Natureza estão a ser uma surpresa para a comunidade científica, pois evidenciam que certas diferenças entre seres vivos de espécies distintas não são o que se pensava.
Um exemplo concreto do que estamos a falar é um estudo que está a ser efectuado em conjunto por investigadores dos Estados Unidos e do Quénia, tendo em vista determinar as diferenças genéticas entre as espécies de elefantes africanos, animais que, como todos sabemos, ocupam uma área muitíssimo vasta da parte subsariana daquele continente. Os resultados deste estudo — já publicado na Science Magazine — estão a ser tão surpreendentes que já há quem diga que vão revolucionar o próprio sistema de classificação dos seres vivos concebido no século XVIII pelo naturalista sueco Karl von Linné.
Este zoólogo introduziu a nomenclatura binomial em 1758, na 10ª edição do seu Systema Naturae, onde estabeleceu um catálogo de classificação artificial que abrangia todo o reino animal nos seguintes grupos: os mamíferos — incluía o Homem entre os primatas —, as aves, os anfíbios — onde englobou os répteis —, os peixes, os insectos e os vermes — compreendendo aqui os restantes animais. De acordo com os princípios da sua nomenclatura binária, a espécie é uma categoria essencial para a classificação do mundo vivo e designa o conjunto de indivíduos animais e vegetais que fecundam entre si e que são estéreis com indivíduos de qualquer outra espécie. Hoje, na realidade, devido aos avanços da genética, estas fronteiras são cada vez menos evidentes.
Ainda de acordo com a sistemática zoológica, a espécie coloca-se abaixo do género e acima da família. Assim, por exemplo, o leão e o tigre fazem parte da família dos Felidea e do género Panthera, sendo o primeiro da espécie Leo e o segundo da espécie Tigris. Na sua área de repartição, a espécie pode apresentar determinadas particularidades — variar de tamanho ou ter uma cor do pêlo diferente, por exemplo — e então fala-se de subespécie, que é indicada por um terceiro nome. O Acanthophthalmus kuhlii sumatranus, por exemplo, é uma subespécie endógena da região de Sumatra.
Converter subespécies em espécies distintas
Ora uma das revelações mais espectaculares das pesquisas efectuadas até à data pela equipa que está a estudar os elefantes africanos é que eles são bem mais próximos dos mamutes em termos de parentesco do que a comunidade científica pensava. Até à data, todos os elefantes africanos eram considerados como pertencentes a uma única espécie, a Loxodonta africana, que se dividia em duas subespécies: a Loxodonta africana africana para os elefantes das savanas, e Loxodonta africana cyclotis para os que habitam nas florestas. Se as conclusões do novo estudo sobre a matéria forem aceites, terá de passar a aplicar-se o nome de Loxodonta africana para os primeiros e Loxodonta cyclotis para os segundos, ficando agrupados em duas espécies distintas.
Então porquê? Porque no capítulo da genética as diferenças entre ambos o justificam. Os autores do estudo concluíram, com base na análise das variações nucleares do ADN, contido no interior das células e proveniente de 195 elefantes selvagens de várias manadas de animais, que a «distância» genética entre os dois elefantes africanos corresponde a 58% da que os separa do seu «primo» asiático. E por isso já merecem ser considerados espécies diferentes. Constituída por Alfred Roca, do Frederick Institute de Maryland, e por investigadores quenianos do Mpala Research Centre, a equipa confirmou um estudo efectuado por uma equipa francesa de 1999 mas que, por se ter baseado em material restrito, não podia ser considerado cientificamente fiável.
O estudo francês tinha comparado o ADN mitocondrial — que é transmitido pela mãe — de um elefante em cativeiro com o de outros selvagens, da África e da Ásia, e os investigadores tinham posto em destaque a diferença entre os «irmãos africanos» e a sua proximidade com o «primo» asiático. Ainda por cima, contrariamente ao que se pensava, os dois elefantes africanos também estão geneticamente mais próximos dos mamutes do que do elefante da Ásia. Ou seja: a genética está a mostrar até que ponto poderá ser necessário alterar a breve prazo a classificação de numerosas espécies.
Mas se este novo ramo da biociência pode trazer indicações que ninguém se atreveria a prever sobre os seres vivos e sobre os seus parentescos próximos, arrisca-se simultaneamente, por outro lado, a tornar difícil a compreensão do conceito e dificilmente pode servir de base exclusiva para a caracterização das espécies. Todavia, para lá do debate teórico, a identificação precisa de populações animais distintas por meio da genética reveste-se de uma importância enorme para a gestão da conservação das espécies ou subespécies ameaçadas de extinção.