Pesquisa

Exportação de peixes ornamentais

O dilema de conciliar interesses e apaziguar conflitos

Barcelos: os peixes tropicais garantem a economia da população local

Todos os anos aproximadamente 20 milhões de peixes ornamentais são capturados e exportados na região em redor de Barcelos, uma localidade brasileira com menos de 20 mil habitantes situada na margem direita do Rio Negro, em pleno coração da selva amazónica. A área em causa é particularmente rica em espécies de peixes aptas para a aquariofilia, tendo a captura e comercialização dessas espécies começado a desenvolver-se ali nos anos 50, altura em que o professor Herbert R. Axelrod descobriu uma nova espécie: o Paracheirodon axelrodi, mais conhecido por Tetra Cardinal.

 

A diversidade e abundância de espécies ornamentais na região deve-se a vários factores que se conjugam entre si: por um lado, situa-se em plena bacia do Rio Negro, uma área de dimensões bastante generosas e onde se verifica uma enorme variedade de condições ecológicas favoráveis; por outro, é precisamente ali que se efectua a conexão do Rio Negro com outras bacias hidrográficas importantes, como a do Orinoco e a do Solimões. E esses três rios, ao juntarem as suas águas, ajudam a alimentar o caudal do rio Amazonas. É essa confluência de cursos de água que vem permitir a proliferação de diferentes espécies em Barcelos.

 

Além da biodiversidade piscícola, existe ainda outro aspecto comum às águas em torno da região: a sua curiosa coloração escura, uma característica que deu o nome ao Rio Negro. Existem registos de mais de 750 espécies de peixes tropicais que se podem encontrar na bacia do Rio Negro, mas somente cerca de 100 são exploradas comercialmente pelas populações locais. De todas, o Tetra Cardinal é a espécie mais importante, representando 60% do volume total de exemplares comercializados. Para acompanhar essa actividade de uma forma sustentada, foi iniciado em 1989 o «Projeto Piaba», cujo objectivo fundamental é determinar que sistemas sócio-culturais e ecológicos serão capazes de garantir a preservação dos peixes ornamentais.

 

De facto, ao invés do que à primeira vista se poderia pensar, as águas escuras daquela zona são pobres em nutrientes. O material alóctone — proveniente de outros ambientes, neste caso originário da imensa floresta tropical —, é a principal fonte de matéria e energia neste sistema. Por conseguinte, não há a ocorrência de uma grande biomassa, o que propicia a reprodução de peixes de pequeno porte. E como esses peixinhos nos encantam pelas suas cores vivas e pelas suas formas exóticas, são os que preferimos para povoar os nossos tanques.

 

A reprodução e o desenvolvimento dos peixes ornamentais ocorre sobretudo nas zonas total ou parcialmente inundadas da floresta, que na gíria local recebem o nome de «igapós» e «igarapés». A melhor época para a captura é quando começa a estação seca, quando o nível das águas baixa e os peixes se concentram nos leitos dos rios. Na época das cheias, quando o rio inunda a floresta, eles voltam a dispersar-se pelos igapós, procurando alimentos e escolhendo locais para assegurar a reprodução. Aí, é praticamente impossível capturá-los, pois escondem-se facilmente no emaranhado de troncos e de raízes. Todavia, durante a época das cheias, que vai de Maio a Julho, é proibida a pesca e comercialização de algumas espécies, nomeadamente do Tetra Cardinal. A preocupação, neste caso, é assegurar a reprodução.

 

Capturas baseadas em métodos tradicionais

 

Além dos minúsculos tetras, entre as espécies exportadas contam-se também os Rodostomus, os Otocinclus, muitas Corydoras e os populares Discos. Na prática, a actividade económica em toda a região resume-se à exploração da Natureza. Para a captura dos pequenos peixes ornamentais são utilizados instrumentos que não ameacem a sua integridade física: na maior parte dos casos recorre-se a métodos de captura tradicionais — como o «rapiché» e o «puçá» — e a armadilhas passivas chamadas «cacurí», todos eles de origem indígena. Os pescadores de peixes ornamentais são conhecidos por «piabeiros» e costumam trabalhar tanto de dia como à noite; tudo depende da espécie que procuram.

 

Ao localizarem um cardume, os piabeiros conduzem os peixes pacientemente para o rapiché ou puçá e os animais acabam por ficar no interior dessas grandes cestas de palha forradas com sacos de plástico com água do igarapé. Depois de capturados, são levados para um acampamento, onde os piabeiros montaram viveiros no próprio rio. Finda a pesca, são levados para Barcelos, de onde seguem por barco, numa viagem de 30 horas, até Manaus. Aí, já nas lojas de exportadores, os peixes são mantidos em instalações de quarentena, havendo um cuidado profilático para detectar e eliminar doenças ou fungos.

 

Embora os exportadores tenham um particular cuidado nesta fase — pois não podem correr o risco de enviar exemplares doentes no meio de um grupo, pois o mais certo seria no final da viagem todos os peixes estarem contagiados —, cerca de 5% dos peixes capturados morrem na fase entre a captura e a exportação. E se esta taxa de mortalidade ainda pode parecer relativamente elevada, a verdade é que, pelo menos do ponto de vista dos peixes, a parte mais difícil ainda está para vir: os grandes problemas colocam-se na fase de adaptação às águas dos países que os importam. Todavia, na perspectiva dos responsáveis do «Projeto Piaba», os actuais índices de mortalidade já são comportáveis.

 

No mercado internacional da exportação de peixes ornamentais, os maiores concorrentes do Brasil são a Colômbia, o Peru, a Venezuela e o Chile, onde existem espécies muito semelhantes. Mas já existem países no Sudeste Asiático — como a Malásia e Singapura, por exemplo — que começam igualmente a marcar forte presença no negócio, criando as espécies amazónicas em cativeiro a custos bem reduzidos. Entre os newcomers na actividade contam-se certos países do Leste da Europa, como a República Checa e a Eslováquia, por exemplo. Mas no Brasil não há outros centros fornecedores de peixes ornamentais organizados como em Barcelos. No Pará existe alguma produção, mas em pequena quantidade.

 

Os custos de se ir à origem

 

Os exportadores de Manaus afirmam que as principais dificuldades sentidas na sua actividade se relacionam com as elevadas tarifas do transporte aéreo e com o reduzido número de vôos ligando a região a centros de consumo potencial. Segundo eles, são sobretudo estes factores que tornam os peixes de Barcelos mais caros que os dos países concorrentes. Para recuperar a sua posição, gostariam de poder alargar a sua oferta a mais espécies, mas existe uma portaria do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis que regulamenta claramente o âmbito das capturas.

 

Os exportadores argumentam que essa portaria é antiga e que certas espécies ornamentais que poderiam ser comercializadas são proibidas pura e simplesmente por não constarem na lei. Em abono da sua posição apontam o facto de que, apesar de toda a actividade económica local se basear na exploração de peixes ornamentais, ainda não se detectaram quaisquer impactos ambientais negativos directamente resultantes dessa exploração. Na verdade, ao contrário do que sucede com as outras actividades exploratórias que estão a ser desenvolvidas na Amazónia, como o garimpo e a extracção de madeira, não é preciso destruir a floresta tropical para extrair os peixes ornamentais.

 

Segundo os responsáveis do «Projeto Piaba», os piabeiros sabem que se preservarem a floresta também estarão a assegurar as suas fontes de rendimento. Em sua opinião, não serão leis de protecção rígidas que tornarão a actividade mais eficaz, mas sim um plano de ordenamento e de manutenção sustentável da actividade, algo que irá exigir um conhecimento profundo da dinâmica do recurso explorado, da sua componente económico-social e, no caso concreto dos peixes ornamentais, das especificidades do mercado internacional. As pesquisas do «Projeto Piaba» têm sido orientadas tendo em vista fornecer respostas a essas perguntas.

 

O que se tem podido verificar é que ao longo das últimas décadas os níveis de exportação têm-se mantido francamente estáveis, com as exportações a rondarem os 20 milhões de peixes por ano. Um indicador que leva a crer que os stocks suportam tranquilamente este nível de capturas. E para a cidade de Barcelos a actividade é, inquestionavelmente, muito importante: representa 60% da economia do município e estima-se que 80% dos seus 16 mil habitantes trabalham directa ou indirectamente na actividade. Aliás, a mais tradicional festa anual do município é a «Festa do Peixe Ornamental».

 

Para promover a consciencialização da importância dos peixes ornamentais como recurso a preservar, o «Projeto Piaba» tem desenvolvido a sua acção junto das escolas e dos professores de Barcelos, além de manter aquários públicos. Actualmente, os seus investigadores estão a desenvolver pesquisas na área do stress produzido sobre os peixes durante o transporte, a tentar identificar os limites de tolerância às condições da viagem e a estabelecer padrões de qualidade da água para garantir a sobrevivência durante o transporte e nos aquários. Os responsáveis do «Projecto Piaba» acreditam que esta actividade, além de ser uma das principais fontes de receitas do município, ajudará a conservar a floresta. O seu lema é: «Compre um peixe ornamental, salve uma árvore na Amazónia».