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Tetra Cardinal

Paracheirodon axelrodi (Schultz, 1956)

Paracheirodon axelrodi (Schultz, 1956)
Sinónimos / Etimologia
  • Cheirodon axelrodi (Schultz, 1956), Hyphessobrycon cardinalis (Myers & Weitzman, 1956)
  • A raiz do binómio vem do grego: a palavra"para" quer dizer "próximo de", ou "relacionado com"; "cheirodon" tem a ver com o antigo nome genérico Cheirodon (actualmente Paracheirodon), devido a uma "convergência evolutiva notável ou, mais provavelmente, por afinidade filogenética real". O resto do nome homenageia Herbert Richard Axelrod (1927-2017), o especialista em peixes tropicais norte-americano que escreveu e publicou inúmeros livros de aquariofilia, além de criar a revista «Tropical Fish Hobbyist», na sequência da qual viria a fundar a editora T. F. H. Publications.

 

Classificação Taxonómica

Ordem: Characiformes > Família: Characidae

 

Distribuição Geográfica / Habitat
Distribuição geográfica da espécie
Distribuição geográfica da espécie

América do Sul, região da Amazónia, numa área que abrange o Norte do Brasil, a Colômbia e a Venezuela, concentrando-se sobretudo nas bacias do Rio Negro e do Alto Orinoco. Esta espécie encontra-se apenas e exclusivamente nos tributários menores de ambos os rios, em riachos e córregos florestais com uma corrente relativamente lenta. Nesses cursos ribeirinhos as águas são bastante rasas e quentes, registando variações de temperatura muito reduzidas, além de serem ácidas (e até muito escuras em determinados biótopos, em resultado do elevado teor de taninos que contêm).

 

No sistema do rio Negro habitam em dois tipos de cursos de água no meio da floresta a que os locais no Brasil chamam «igapós» e «igarapés», caracterizados por serem ladeados uma densa vegetação terrestre — com a canópia formada pelas copas que se tocam das árvores maiores a filtrar grande parte da luz — e pelo facto de os substratos debaixo de água serem de areia clara e estarem cobertos por raízes de árvores, ramos caídos e uma grande quantidade de folhas.

 

Convém explicar aqui que os «igapós» são as partes dos rios que permanecem alagadas mesmo com o tempo seco, formando lagos, charcas ou represas na estiagem que se segue ao período das chuvas e trovoadas, sendo que os «igarapés» são riachos que nascem na mata e desaguam nos rios.

 

A água nestes dois ecossistemas do Rio Negro é tipicamente ácida e macia, com uma dureza de carbonatos e uma condutividade insignificantes e possui uma cor fortemente acastanhada devido à presença da elevada concentração de substâncias húmicas, libertadas pela grande quantidade de matéria orgânica em decomposição.

 

No sistema do rio Orinoco o Tetra Cardinal é mais comumente associado a habitats conhecidos pelos habitantes locais como «morichales», que tendem a conter substratos arenosos também de cor clara e a terem muito menos sedimentos orgânicos acumulados, sendo que também por isso a água nestes ecossistemas é muito mais clara e transparente.

 

Aproveitamos também para clarificar aqui que «morichal» é uma palavra espanhola que se refere a um tipo de riacho ou várzea específicos daquela área geográfica abrangida pela Amazónia, onde a formação vegetal localizada nas margens dos córregos, igualmente chamada mata ciliar, é dominada pela palmeira Mauritia flexuosa (também chamada «moriche» na Venezuela, «canangucho» na Colômbia, ou «aguaje» no Peru).

 

Os «morichales», tal como sucede com os «igarapés», são muito frequentemente sujeitos às inundações sazonais. Todavia, os «morichales» são um habitat diferente, onde tipicamente se verifica um crescimento denso de plantas aquáticas, incluindo plantas palustres que fazem parte da vegetação ciliar, entre as quais os peixes se costumam abrigar. Embora a água seja ácida, é bastante menos ácida do que no rio Negro, apresentando valores típicos de pH na casa dos 5.5-6.5.

 

Como todos estes tipos de habitats são altamente sazonais, durante a estação seca os peixes tendem a formar enormes cardumes nos principais canais, agrupando-se na parte inferior da coluna de água por falta de espaço, entre a camada de folhas e outros detritos orgânicos que se formam devido à falta de fluxo. Quando finalmente regressa a estação chuvosa, o fluxo e a profundidade da água voltam a aumentar e todos esses riachos inundam os terrenos circundantes.

 

Com esse acréscimo na movimentação da água a camada de folhas acumuladas tende a dispersar-se, expondo a areia, e os peixes passam a nadar um pouco mais alto na coluna de água, movendo-se para as áreas de vegetação inundada ou abrigando-se entre raízes submersas. As chuvas fomentam as desovas, pois o subsequente alagamento das áreas circundantes arrasta muitos micro-organismos para a água que servem de valiosa fonte secundária de alimento aos alevins. Além disso, este ciclo hidrológico sazonal também permite a mistura de populações da espécie, que de outro modo permaneceriam isoladas umas das outras.

 

No seu habitat natural o Tetra Cardinal vive em cardumes que podem atingir vários milhares de indivíduos, os quais se mantêm muito ativos durante o dia, preferindo a parte intermédia da coluna de água. Estes tetras não migram e a espécie é geralmente encontrada em águas abertas, mais afastadas das margens, embora muito pouco profundas. Na Natureza é praticamente considerado um peixe anual, pois raramente são encontrados indivíduos com mais de um ano de idade, embora possam viver consideravelmente muito mais tempo em aquário.

 

Parâmetros da Água

 

  • Temperatura: 24-30°C (prefere 26-28°C)
  • pH: 4,5-7,5 (prefere 5,4-6,6)
  • Dureza: 18-120 ppm (Água macia a moderadamente dura)

 

Tamanho Máximo / Espaço em Cativeiro

Na Natureza os machos atingem os 2,5 cm em adultos e as fêmeas 3,5 cm, mas em cativeiro podem chegar ambos aos 5 cm. Recomenda-se como espaço mínimo um aquário de 65 litros.

 

Manutenção / Comportamento Social / Alimentação

A manutenção desta espécie não costuma apresentar problemas, embora seja exigido, como é evidente, um cuidado acrescido com os indivíduos que tenham sido capturados no seu ambiente natural, que são muito mais intolerantes à deterioração das condições da água do que os exemplares criados em cativeiro para fins comerciais. Isto porque a maioria dos peixes que são colocados à venda no mercado europeu ainda são selvagens: o Tetra Cardinal é actualmente a espécie mais exportada entre todos os peixes provenientes da Amazónia brasileira.

 

Estes peixes são extremamente pacíficos e sociáveis, devendo ser mantidos em cardumes de no mínimo 12 indivíduos, embora seja preferível um grupo bastante mais numeroso. O aquário deve ter um substrato arenoso, ser densamente plantado e compreender algumas raízes ou galhos de troncos. A espécie aprecia uma iluminação fraca e difusa, pelo que o ambiente do aquário será beneficiado se for adicionada vegetação flutuante, designadamente espécies endógenas do seu habitat de origem que cortem a intensidade da luz na coluna de água.

 

Se forem adicionados elementos secos de origem vegetal que tornem a água progressivamente mais ácida e mais escura de uma forma natural — tal como folhas de Amendoeira-da-Índia (Terminalia catappa) ou pinhas de Amieiro (Alnus glutinosa) — isso irá contribuir para aumentar o bem-estar dos peixes e as suas cores serão muitíssimo mais intensas e brilhantes, pois o Tetra Cardinal gosta particularmente de ambientes com uma elevada concentração de taninos.

 

Além dessas folhas secas ajudarem a recriar as condições da água ideais e de oferecerem uma cobertura adicional para os peixes, têm a vantagem de fomentar o desenvolvimento de colónias de micro-organismos à medida que a sua decomposição for avançando. Não só as substâncias húmicas libertadas pelas folhas em decomposição são consideradas benéficas como também os polifenóis de origem vegetal nelas contidos — produzidos pelas plantas para inibir ataques por parte de herbívoros vertebrados ou invertebrados através da diminuição da palatabilidade, dificuldades na digestão, produção de compostos tóxicos a partir da hidrólise dos taninos, etc — ajudam a reduzir a proliferação de eventuais micróbios patogénicos.

 

O Tetra Cardinal aceita a maioria dos alimentos secos. No seu habitat natural é predominantemente um micropredador, pois alimenta-se geralmente de animais minúsculos que encontra nas plantas subaquáticas, nas raízes submersas e na camada de folhas em decomposição. Perante isto, a sua dieta deve incluir alimento vivo ou congelado com regularidade, tal como larvas de mosquito e dáfnias.

 

Os exemplares criados em cativeiro tendem a adaptar-se melhor à água dura do que os animais capturados no ambiente selvagem. Apesar da espécie aparentar ser adaptável a uma faixa ampla de condições em cativeiro, se for replicada no aquário a química da água do habitat selvagem — caracterizada por um pH ácido, baixo teor mineral e a presença de ácidos húmicos —, isso terá um impacto muito positivo na reprodução, na fecundidade e na expectativa de vida. A filtragem da água do aquário usando turfa, bem como a utilização de água proveniente de filtragem por osmose reversa são meios para atingir esse fim.

 

Dimorfismo Sexual / Reprodução em Cativeiro

O dimorfismo sexual é pouco aparente no Tetra Cardinal. Nos exemplares sexualmente maduros as fêmeas são ligeiramente maiores e mais encorpadas do que os machos, além de terem também estômagos maiores. Os machos adultos apresentam ganchos ósseos na barbatana pélvica (a extremidade dos raios na barbatana anal fica com um aspecto bifurcado). Tanto os machos como as fêmeas atingem a maturidade sexual por volta dos 9 meses de idade.

 

Na Natureza as fêmeas começam a querer desovar com o início da estação das chuvas e o acasalamento verifica-se geralmente nos instantes de crepúsculo, pois os ovos desta espécie são sensíveis à luz. No seu habitat a época das chuvas vai de meados de Dezembro a meados de Maio e a temperatura da atmosfera é um pouco mais fria do que na estação seca, que vai de Agosto a Novembro. Uma curiosidade climática é que na Amazónia central chove muito menos do que na Amazónia peruana, ou mesmo na parte oriental, no lado do Brasil.

 

A reprodução em cativeiro é possível, mas considerada difícil, sendo que a temperatura deverá estar nos 24°C, o pH entre 5,5 e 6,0 e a luz no aquário terá de ser mesmo muito fraca. O acasalamento começa com o macho a abraçar a fêmea qando ela está cheia e enquanto ela nada, apertando-a por forma a que ela liberte os ovos na água, que ele depois fertiliza quando começam a cair. Uma fêmea adulta pode libertar até 500 ovos num único ritual de acasalamento. Depois de terem sido fertilizados pelo macho, os ovos afundam e alguns aderem às folhas das plantas. Todavia, por serem muito sensíveis à luz, os únicos ovos que poderão eclodir são os que caírem em locais à sombra. Os alevins tornam-se independentes entre 3 a 4 dias após a eclosão.

 

Informação Complementar

O Tetra Cardinal é o peixe ornamental mais exportado da Amazónia brasileira, imediatamente seguido pelos Discos (Symphysodon aequifasciatus spp.), tendo sido nos últimos anos responsável por quase 60% do volume anual de exportações. No município de Barcelos, uma pequena vila situada nas margens do Rio Negro, no Brasil, tornou-se na base de negócio para uma fatia importante da população local — os «piabeiros» —, cuja actividade tradicional consiste precisamente em capturarem peixes para serem comercializados nos circuitos da aquariofilia.

 

Por se tratar de uma fonte crítica para o sustento e o modo de vida das pessoas daquela zona, a espécie é altamente valorizada por todos os elementos da comunidade, que actuam como guardiões do meio ambiente e por isso não se podem envolver noutras actividades que possam causar danos ao habitat dos peixes, como o desmatamento, por exemplo. Isto tudo porque a sustentabilidade do seu estilo de vida tradicional depende da pesca dos peixes ornamentais.

 

Talvez devido às suas origens selvagens, o Tetra Cardinal tende a ser um peixinho algo delicado em cativeiro. Embora na natureza habitem águas extremamente suaves e ácidas, os peixes que surgem no mercado parecem tolerantes a condições de água mais difíceis e mais alcalinas, sendo a maior preocupação muito provavelmente a fraca qualidade da água dos aquários, designadamente níveis elevados de nitratos.

 

Um estudo realizado em Manaus, no Brasil, submeteu alguns grupos destes tetras a condições adversas de água durante 4 dias seguidos (96 horas). Os resultados foram que os peixes morreram com uma temperatura baixa de 19,6°C e com uma temperatura alta de 33,7°C, bem como com um pH abaixo de 2,9 ou acima de 8,8.

 

Bibliografia: