O sistema de limpeza mais natural
Como funciona a filtragem biológica? A resposta é muito simples: tal e qual como todos aprendemos no liceu, nas aulas de Biologia, quando estudámos o «ciclo do azoto». De facto, falar de um aquário bem sucedido é virtualmente o mesmo que falarmos de um ecossistema vivo.
Em todos os ecossistemas naturais há uma parte que envolve a acção de micro-organismos e reacções químicas. Ora um filtro biológico eficiente é considerado por muitos aquariófilos o mecanismo de filtragem mais importante do ecossistema do aquário, uma convicção com a qual estamos totalmente de acordo.
Um filtro biológico é nada mais nada menos do que um filtro que facilita a propagação e retenção de milhões e milhões de bactérias aeróbicas e anaeróbicas. No nosso aquário, costumamos prestar mais atenção à criação de condições favoráveis ao desenvolvimento de colónias de bactérias aeróbicas, que necessitam de oxigénio, e que sintetizam os seus próprios alimentos, sendo portanto autotróficas. As nossas preferidas — e quando digo "nossas" falo dos aquariófilos — são as bactérias nitrificantes, que obtêm a sua energia através da oxidação de compostos nitrogenados inorgânicos, as Nitrosomonas e as Nitrobacter. São elas as responsáveis pelo início do "ciclo do azoto", também chamado "ciclo do nitrogénio".
A maturação do aquário
Estas bactérias estão em todo o lado e desenvolvem-se na água onde exista oxigénio e disponham em abundância das suas fontes de alimento específicas, como a amónia (NH3) e os nitritos (NO2), dois subprodutos tóxicos para a vida aquática. O ciclo de processo até à sua transformação em nitratos (NO3), um subproduto não-tóxico mesmo em quantidades mais significativas, demora tempo: entre 4 a 6 semanas, dependendo da temperatura e da oxigenação da água. É a isso que nos referimos quando falamos da necessidade de "ciclar" o aquário. Ou de "ciclar" um lago, porque o processo é idêntico em ambos os ambientes.
Como é que isto funciona? O gráfico mostra a evolução da amónia, dos nitritos e dos nitratos num aquário novo. Podemos ver que logo após a instalação do aquário a concentração da amónia começa a aumentar, subindo em poucos dias para níveis que rapidamente provocam stress aos peixes. Como a amónia é altamente tóxica, se o nível de concentração ultrapassar os 0,2 mg/l (ppm) já será nefasto para todos os seres vivos no aquário e muito provavelmente fatal para os peixes. Mas atenção que a amónia é bem menos tóxica quanto mais fria e mais ácida for a água. Os peixes são capazes de suportar 100 vezes mais amónia total num pH de 6,5 do que num pH de 8,5, por exemplo. Clique aqui para saber como e porquê [+] .
A toxicidade da amónia face à temperatura e ao pH
A toxicidade da amónia varia de forma significativa consoante a temperatura da água e as diferenças de pH. Isto porque a amónia "livre" (NH3), ou seja, na forma de gás, não-ionizada, muda continuamente para a sua forma ionizada (NH4+), que já não é tóxica. E vice-versa, sendo que as concentrações relativas em cada uma dessas formas dependem muito da temperatura e do pH da água. Num ambiente aquático com temperaturas mais altas e um pH mais elevado há mais nitrogénio sob a forma de amónia tóxica do que noutro com uma água mais fria e um pH mais baixo.
Temp. °C |
pH | ||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
6,0 | 6,4 | 6,8 | 7,0 | 7,2 | 7,4 | 7,6 | 7,8 | 8,0 | 8,2 | 8,4 | |
4 | 200 | 67 | 29 | 18 | 11 | 7,1 | 4,4 | 2,8 | 1,8 | 1,1 | 0,68 |
8 | 100 | 50 | 20 | 13 | 8,0 | 5,1 | 3,2 | 2,0 | 1,3 | 0,83 | 0,5 |
12 | 100 | 40 | 14 | 9,5 | 5,9 | 3,7 | 2,4 | 1,5 | 0,95 | 0,61 | 0,36 |
16 | 67 | 29 | 11 | 6,9 | 4,4 | 2,7 | 1,8 | 1,1 | 0,71 | 0,45 | 0,27 |
20 | 50 | 20 | 8,0 | 5,1 | 3,2 | 2,1 | 1,3 | 0,83 | 0,53 | 0,34 | 0,21 |
24 | 40 | 15 | 6,1 | 3,9 | 2,4 | 1,5 | 0,98 | 0,63 | 0,4 | 0,26 | 0,16 |
28 | 29 | 12 | 4,7 | 2,9 | 1,8 | 1,2 | 0,75 | 0,48 | 0,31 | 0,2 | 0,12 |
32 | 22 | 8,7 | 3,5 | 2,2 | 1,4 | 0,89 | 0,57 | 0,37 | 0,24 | 0,16 | 0,1 |
Nota: Níveis máximos em mg/l (ppm) que podem ser considerados "seguros" |
A tabela ajuda a identificar os níveis de amónia que podem ser tolerados antes de os peixes começarem a ser afectados. Como se pode constatar, em águas com temperaturas muito quentes basta uma pequena quantidade de amónia para ser altamente tóxica para os peixes. No outro extremo do espectro, se a água estiver muito fria — como pode suceder frequentemente num lago durante o Inverno —, já se verifica exactamente o oposto. Ou seja, os peixes conseguem tolerar níveis mais altos de amónia quanto mais fria for a água e isso também está directamente relacionado com a quantidade de oxigénio dissolvido na mesma quantidade de água a diferentes temperaturas. Como o ar quente sobe, se a água estiver a uma temperatura mais alta o oxigénio aquece e evapora-se mais depressa, ao passo que a água fria consegue reter muito mais oxigénio dissolvido.
A parte boa de sabermos isto é que podemos usar a temperatura da água para "amortecermos" o efeito da amónia prejudicial se por alguma razão um dia tivermos o azar de nos confrontarmos com um "pico de amónia" que nos ameace causar uma mortandade no tanque. Além de fazermos uma boa troca de água, podemos pôr a água nova um pouco mais fria, que nos permita baixar a temperatura entre 2 a 3 graus, para ajudarmos os peixes a recuperarem do choque (uma variação desta amplitude não lhes causará problemas, pois na Natureza as chuvas também trazem um arrefecimento significativo da atmosfera e por conseguinte do ambiente subaquático). Entendermos o funcionamento destas relações entre a amónia, a temperatura da água e o pH pode-nos ajudar a controlarmos melhor os nossos ecossistemas e a evitarmos perdas de peixes.
No entanto, esse aumento na concentração de amónia reúne as condições ideais para facilitar a multiplicação das bactérias do género Nitrosomonas, que se alimentam dela e a processam, convertendo-a em nitritos, que também se começam a acumular. Só que, apesar de serem bastante menos tóxicos do que a amónia, os nitritos também são prejudiciais, em particular a partir de uma concentração acima dos 0,5 mg/l (ppm).
Por seu lado, quando a concentração de nitritos começa a aumentar vem facilitar por seu turno a multiplicação das bactérias do tipo Nitrobacter, que se alimentam deles e os convertem em nitratos. Este ciclo é a base dos filtros biológicos. É pelo facto de as bactérias fazerem a oxidação dos compostos nitrogenados, que ele se chama o «ciclo do nitrogénio» ou «ciclo do azoto» (embora a nomenclatura oficial da IUPAC-International Union of Pure and Applied Chemistry defina o termo "azoto" como a designação oficial que deve ser usada em Portugal). Contudo, durante as fases intermédias, enquanto ainda não há um número de bactérias benéficas suficiente para lidarem com a quantidade de detritos produzidos pelos peixes, o risco de mortes por intoxicação é muito elevado.
Na prática, a melhor maneira de evitarmos que isso venha a suceder é limitarmo-nos a adicionar muito poucos peixes enquanto o ciclo não estiver completado e mesmo depois disso adicionar os novos peixes aos poucos e de preferência com intervalos de uma semana ou mais. E sobretudo dar-lhes muito pouca comida e nunca deixar excessos não consumidos na água! Quanto aos nitratos, além de serem absorvidos pelas plantas, podem ser facilmente removidos com trocas parciais de água regulares. Se a concentração de nitratos estiver acima de 50 mg/l (ppm) então já serão excessivos e estará na altura de os removermos.
Um processo bem simples de recriar
Para os iniciados, ouvir falar da propagação de bactérias e da criação de um ecossistema biologicamente activo dentro do aquário pode parecer um processo complicado, mas na realidade é algo bem simples de recriar, com as condições, o equipamento e os animais e vegetais adequados. Ou seja, essas bactérias são adicionadas ao tanque pelo simples facto de lá ter sido colocado o areão, as rochas, os troncos, além das plantas e dos peixes, por exemplo. Até podemos ter fervido a decoração, mas elas voltam a aparecer pouco tempo depois. Além de que vivem atreladas aos corpos, bocas e guelras dos peixes e de todos os outros organismos vivos que pusermos no aquário.
Logo após se introduzirem no aquário, essas bactérias começarão, aos poucos e poucos, a largar os corpos dos respectivos anfitriões e a espalharem-se por todo o sistema. Onde quer que encontrem água rica em oxigénio — nomeadamente junto aos filtros, onde ela circula com mais força e onde existe uma grande quantidade de superfícies porosas para elas se fixarem —, irão constituir densas colónias e multiplicar-se. A amónia existente no aquário irá ser transformada por essas bactérias em nitritos (o que é bom porque a amónia é altamente tóxica, muito mais tóxica do que os nitritos, nunca é por demais repeti-lo). O único problema do processo nesta fase inicial é que os peixes produzem também muito mais amónia do que a quantidade que essas bactérias conseguem processar, daí o facto de não podermos pôr muitos peixes no aquário logo no início.
Serão precisas no mínimo duas a três semanas antes que haja uma quantidade suficiente de bactérias no aquário, capazes de processar toda a amónia produzida pelos peixes que lá colocarmos no início. E dizemos no mínimo porque a evolução do ciclo também depende de vários factores, como a temperatura, por exemplo: a temperaturas abaixo de 21°C a evolução do ciclo é bastante mais lenta. Claro que este período também depende da quantidade de peixes que tivermos posto, pelo que é sempre boa ideia ir povoando aos poucos e poucos o aquário para não estragarmos o frágil equilíbrio, ainda em formação. Convém é nunca esquecer que a amónia é um veneno letal para os peixes, uma espécie de "inimigo número um".
Paciência: um factor essencial e que não se compra
Se não tivermos paciência na fase de arranque do aquário, a amónia produzida pelos peixes pode subir facilmente para níveis que as bactérias não sejam capazes de compensar e os peixes serem vitimados pelas substâncias tóxicas geradas pelos seus próprios detritos. Chama-se a isso haver um "pico de amónia". Uma "regra de ouro" é ir adicionando os peixes gradualmente e alimentá-los com parcimónia — é muito importante nunca esquecer isto! —, pois as bactérias nitrificantes benéficas que suportam a filtragem biológica podem demorar vários meses até se estabelecerem totalmente.
Recapitulando: durante as primeiras semanas, desenvolvem-se sobretudo bactérias nitrificantes do género Nitrosomonas, que consomem a fatal amónia (NH3) e a transformam em nitritos (NO2), os quais, embora menos mortíferos para os peixes não deixam de ser também letais. Quando o nível de nitritos começa a crescer, chega a vez de entrarem em acção as bactérias do género Nitrobacter, que convertem os nitritos em nitratos (NO3). Ou seja, em traços gerais podemos dizer que num aquário de água doce este ciclo nunca se completa de forma satisfatória antes de 5 a 6 semanas, enquanto num de água salgada pode oscilar entre os 3 e os 4 meses.
Todavia, estes são os períodos mínimos, digamos assim, para que aqueles dois químicos tóxicos que se encontram em todos os aquários recém-montados possam descer para níveis aceitáveis, níveis que já não representem perigo para a vida animal dentro do aquário. O que não equivale necessariamente a dizer que o aquário já se encontra em excelentes condições; significa apenas que ele já está com o seu ciclo biológico equilibrado. Os nitratos, o bi-produto final resultante da transformação daquelas duas substâncias pelas bactérias nitrificantes, além de não se afigurarem tóxicos para os peixes a não ser em quantidades elevadas — algo que demora muito tempo —, podem ser parcialmente absorvidos pelas plantas, funcionando como adubo.
Em todo o caso, devem-se remover periodicamente os nitratos, não deixando que se acumulem. Isso pode ser feito de duas maneiras: por processos químicos ou, como é mais usual, através de simples mudanças parciais da água do aquário feitas regularmente. Nessas mudanças aspira-se o fundo e substitui-se a água velha com água "tratada". Por água "tratada" entende-se água sem cloro, nem cloramina, nem metais pesados, à mesma temperatura da outra e com o pH e dureza — e a salinidade, no caso dos aquários marinhos — apropriados. É sempre preferível que se mude pouca água nestas mudanças, substituindo-se 25% do total, por exemplo, e que elas sejam frequentes, de duas em duas semanas, por exemplo, do que mudar metade da água de mês a mês.
Controlar os níveis de nitratos e fosfatos
Para sermos realistas, níveis muito elevados de nitratos também podem matar facilmente os peixes. Aliás, tudo indica que os aquariófilos de água salgada prestam mais atenção aos nitratos do que os de água doce, mas isso pode revelar-se um erro fatal para estes últimos. Níveis de nitratos altos num aquário ou num lago — tal como níveis elevados de fosfatos — provocam facilmente um ambiente pouco saudável e que muitas vezes não é fácil de diagnosticar através da pura observação. Na realidade, se houver uma concentração elevada de nitratos e fosfatos juntos, isso equivale às condições ideais para as algas "verdes" proliferarem e ocorrer uma situação que é tecnicamente conhecida como "eutrofização".
O que sucede na eutrofização é que devido à explosão de algas a coluna de água ganha uma camada esverdeada tão densa que impede a passagem da luz natural, fazendo com que as plantas não consigam realizar a fotossíntese e passem elas também a respirar, a consumirem o oxigénio disponível. Por conseguinte, o nível de oxigénio dissolvido na água fica fortemente reduzido e começa rapidamente a provocar a morte dos peixes e dos restantes seres vivos que estiverem nesse ambiente aquático. E ao começarem a morrer podem causar um "pico de amónia" num piscar de olhos, como é evidente.
Ora como as bactérias que asseguram a decomposição dos dejectos e detritos orgânicos também necessitam de oxigénio — como acabámos de explicar —, por não haver oxigénio suficiente para elas começam também a morrer e originam, em etapas sucessivas, dois processos biológicos que se chamam "hipóxia" e "anóxia", respectivamente. Ou seja, como a quantidade de oxigénio presente no sistema que entrou em eutrofização era tão baixa e continuou a baixar, o resultado final é uma água tóxica, com um forte mau cheiro a "podre", por causa da libertação dos fosfatos (que acabam por ser assim um dos grandes responsáveis por certos casos de poluição da água na Natureza). Embora algo raro nos aquários, este fenómeno é relativamente comum nos lagos.
No entanto, voltando ao nosso "ciclo do azoto", não devemos tentar retirar totalmente os nitratos do nosso pequeno ecossistema, além de que nunca iríamos consegui-lo. Eles são o resultado natural da decomposição da amónia e dos nitritos e um nutriente importante para as plantas, só se tornando tóxicos em concentrações elevadas. Assim, a nossa preocupação será antes mantermos sempre esses níveis reduzidos.
Os seguintes pontos são essenciais para atingirmos esse objectivo:
- Nunca sobrepovoar o aquário ou lago
- Não dar comida a mais aos peixes
- Manter o tanque limpo, aspirando o fundo e removendo sempre folhas mortas de plantas, peixes mortos e caracóis
- Efectuar mudanças parciais de água com regularidade
Nos tempos que correm existem filtros biológicos dos mais variados tipos e é fácil encontrá-los em qualquer loja da especialidade. Muitos deles incorporam igualmente outros géneros de filtragem. Entre os chamados biofiltros mais comuns temos os filtros de placa para colocar debaixo do areão, os filtros de esponja, os filtros com bio wheels, os filtros de gotejo, os filtros exteriores de balde, os filtros de camas fluidificantes, etc.
Já nos aquários marinhos de recife, a utilização no sistema de "rocha viva" — e até de "areia viva" — também funciona como coadjuvante da filtragem biológica e é uma solução que tem vindo a tornar-se cada vez mais popular entre nós, sobretudo ao longo da última década. Mas o que convém reter quando se equaciona a questão da filtragem biológica é que todos os aquários são um ambiente único, diferente de qualquer outro, pelo que cada um tem também um conjunto de exigências e necessidades próprio, sem igual.
Por isso, conforme a sua dimensão, a sua capacidade de filtragem, o seu débito de água, alguns filtros podem ser os mais apropriados para uns aquários mas já não o serem para outros. É certo que o mais importante é deixarmos criarem-se as condições para o equilíbrio biológico, mas o filtro que escolhermos deve estar ajustado a essas necessidades. Depois disso, depois do nosso filtro biológico estar estabelecido, uma manutenção cuidadosa do aquário será essencial para manter o equilíbrio, evitando a acumulação em excesso de nitratos e de fosfatos. Neste domínio, para se estar sempre tranquilo, o melhor será adquirir um kit para testar os níveis de nitratos, algo que se encontra em qualquer loja da especialidade.