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Recifes de coral

Ecossistemas sensíveis e precários

A formação laminar dos corais nunca demora menos de 800 anos

Será que algum dia conseguiremos avaliar a dimensão dos estragos causados aos ecossistemas dos recifes de coral pela acção humana? Na opinião da comunidade científica mundial em peso, o Homem tem sido de facto, tanto devido à sua acção directa como indirectamente, o principal culpado por estes complexos e frágeis sistemas eram moribundos. Em todo o leque de ameaças a que os recifes se encontram presentemente sujeitos nota-se sempre a sua mão irresponsável e destruidora.

 

Mas em concreto, quais são essas ameaças? Desde as técnicas de captura de peixes tropicais vivos para o comércio com recurso a um veneno tão letal quanto o cianeto até ao aquecimento global, são inúmeras... Por isso, aqui lhe deixamos uma lista com vista a tentar enumerar as mais importantes e explicar em que medida elas têm influência na devastação destes sensíveis ecossistemas.

 

• A acumulação de sedimentos

 

Uma das mais graves ameaças aos recifes de coral consiste na sedimentação, que deriva sobretudo do aumento da construção em zonas ao longo da costa — e que abrange bastante mais do que a construção que convencionalmente se considera construção junto ao litoral. Embora na maior parte dos países costumem ser totalmente interditas determinadas actividades económicas, como a mineração ou a agro-pecuária, nas zonas próximas dos recifes de coral, os desbastes nas florestas tropicais que lhes são adjacentes causam a erosão dos solos e o seu deslize para o oceano.

 

O resultado é que esses sedimentos acabam invariavelmente por se acumular no recife coralífero. Constituídos por sujidade, lama, lodo ou areia, estes aluviões deixam a água turva ou lamacenta, asfixiando os corais, que deixam de conseguir obter luz suficiente para sobreviverem. Além disso, as árvores dos mangais e as relvas marinhas, que em condições normais actuam como filtros para os sedimentos, são também rapidamente destruídas, acabando assim por aumentar a quantidade de sedimentos despejados na bacia do recife.

 

Por último, convém ainda não esquecer que as populações que vivem junto aos recifes habituaram-se a recolher lenha retiradas das florestas de mangal e que inúmeras dessas florestas — sobretudo ao longo das últimas décadas — foram devastadas para se criarem praias abertas. No caso dos recifes de corais do Índico, houve a agravante de tanto as florestas como as próprias lagoas terem sido destruídas pelos criadores de camarões destinados à exportação, dada a necessidade de abrirem áreas onde pudessem construir as suas instalações, incluindo estações de piscicultura artificiais.

 

• Os detritos humanos

 

Os fertilizantes agrícolas e os esgotos lançados nas águas costeiras vieram encorajar o rápido crescimento de algas nas águas dos recifes, um fenómeno que colide com as necessidades dos pólipos de coral, pois corta-lhes o seu fornecimento de luz e oxigénio. Mas essa explosão no desenvolvimento das algas acaba por ser agravada pela pesca excessiva, dado que os peixes que poderiam ajudar a controlar essas algas, alimentando-se delas, têm sido capturados ou mortos.

 

• A pesca comercial com explosivos e cianeto

 

Recifes onde se regista uma pesca excessiva geralmente combinam com pescadores desesperados pela falta de recursos. Em resumo: produz-se uma combinação mortífera, pois os pescadores acabam geralmente por dinamitar esses recifes, dado que assim conseguem matar os peixes mais pequenos — ou pelo menos atordoá-los e fazer com que fiquem desorientados —, podendo ser facilmente caçados quando vêm à superfície. Os pescadores costumam fabricar essas bombas com materiais como o nitrato de potássio — um fertilizante comum — e conseguem causar grandes explosões que matam todos os peixes nas áreas circundantes e reduzem os corais que aí houver a simples cascalho morto.

 

Algumas frotas pesqueiras comerciais costumam recorrer com muita frequência a cianeto e outros venenos para atordoar e capturar os peixes dos recifes. Este método já não só é utilizado para capturar peixes tropicais para aquários, pois começa agora também a alargar-se a peixes para alimentação, que são vendidos a restaurantes de «peixe vivo». Só que esta técnica de pesca não envenena apenas os peixes, dado que os pólipos de coral, os pequenos invertebrados e as outras criaturas na área também são severamente afectadas. Nas Filipinas, estima-se que a cada ano sejam despejadas quase 200 toneladas de cianeto nos recifes e a verdade é que já são menos de 10% os recifes de coral da região que ainda permanecem saudáveis.

 

A grande razão desta corrida predatória é que certas espécies de peixes tropicais vivos são muito populares no mercado asiático. Para os capturarem, além de lançarem sódio de cianeto nos recifes, os pescadores rasgam simultaneamente os bancos de corais com pés-de-cabra, destruindo os seus esconderijos. Desorientados, os peixes tornam-se presas fáceis. Mas o rasto de destruição é intenso e o pior de tudo é que, além das Filipinas também na Indonésia se tem recorrido muito a estas práticas, sendo que estes dois países são precisamente as regiões com a maior diversidade biológica marinha no mundo inteiro.

 

E enquanto são precisas décadas para os corais recuperarem dos efeitos da exposição ao cianeto, a pressão da pesca nestas regiões está actualmente em níveis demasiado elevados para que se possa sequer pensar nessa recuperação. Outra questão que se coloca é que durante muitos anos o comércio de peixes vivos assumiu-se como uma importantíssima fonte de receitas para muitas das comunidades que viviam perto dos recifes. Dado que os pescadores recebem substancialmente mais dinheiro por peixes vivos do que pelos mortos, a total interdição das capturas seria contraprodutiva, pois obrigá-los-ia a terem de intensificar a pesca de subsistência nos recifes, mantendo-se a devastação dos stocks piscícolas.

 

Em vez disso, estão agora a ser equacionadas medidas tendentes a assegurar que os peixes vivos do recife sejam capturados de uma forma considerada sustentável — usando métodos como pequenas redes lançadas à mão, por exemplo —, sem o uso do cianeto. Na grande barreira de coral, as autoridades australianas já conseguiram implementar um controlo eficaz sobre a pesca ilegal com cianeto, ao passo que as Filipinas arrancaram recentemente com programas educacionais e estão a instalar sistemas de detecção que permitem monitorizar as exportações de peixes com traços de cianeto.

 

Mas há um problema que persiste. Embora a pesca com cianeto seja ilegal em quase toda a região da Ásia/Pacífico, as penas para os prevaricadores são relativamente brandas. Suborno e corrupção dos agentes governamentais são um lugar-comum no comércio de peixes tropicais vivos. Seriam precisas leis mais rígidas e duras penalizações para que se conseguisse prevenir o problema. E no resto do mundo, embora também seja ilegal na maioria dos países importar peixes apanhados com cianeto, essas leis são esquecidas frequentemente: ninguém se dá ao trabalho de verificar se os animais apresentam traços do veneno.

 

• A recolecção, as dragagens e o entretenimento descuidado

 

Embora a maioria de nós possa pensar que a remoção de coral para ser utilizado como material de decoração de aquários seja muito menos grave que o que é apanhado para ser vendido aos turistas como «souvenir», o certo é que, na escala a que isso está a ser feito, também ameaça os recifes. Tal como as dragagens e a utilização de dinamite para construir empreendimentos turísticos em áreas do recife. Aliás, a prática descuidada de desportos náuticos, motorizados ou não — navegação, mergulho, pesca submarina e outras utilizações das áreas dos recifes para fins recreativos —, pode danificar muito seriamente o equilíbrio dos corais e até das outras criaturas.

 

Na Flórida, por exemplo, uma das principais ameaças aos manatins tem vindo da hélices dos motores fora-de-borda das embarcações de recreio, que são muito rápidas e não dão tempo aos animais para se desviarem, evitando-as. Mas o lançamento de âncoras nos recifes pode partir ou até esmagar o coral. E quando as pessoas agarram, retiram, tropeçam ou caminham sobre os bancos de coral, também contribuem para a sua destruição. Embora passa ser duro e cortante como uma faca afiada, o coral é também extremamente frágil.

 

• A poluição da água do mar

 

O petróleo, produtos seus derivados e outras substâncias químicas despejadas perto do litoral acabam eventualmente por ir parar às lagoas dos recifes, causando verdadeiros desastres ecológicos. E os óleos ou gases dos grandes navios que sejam libertos perto de um recife de coral podem facilmente envenenar os pólipos e outra formas de vida marinha.

 

Também o lixo despejado na água pode matar a vida nos recifes. É cada vez mais frequente encontrarem-se sacos de plástico no estômago de tartarugas e de peixes mortos, que acabaram por não conseguir alimentar-se. Este tipo de lixo pode também cobrir os corais, bloqueando-lhes a luz do sol de que necessitam para sobreviver. Outro problema frequente são as redes de pesca que se perderam ou foram abandonadas — vulgarmente chamadas «redes fantasma» — e que acabam por se emaranhar nos bancos de coral dos recifes e estrangular milhares de peixes que se deixam prender nelas.

 

• O aquecimento global

 

Esta é uma nova ameaça que os recifes de coral têm de enfrentar nos dias de hoje. Desde há duas décadas, que coincidiram com alguns dos mais quentes anos de que há memória, tem-se registado um aumento sem precedentes no número de ocorrências de esbranquiçamento de corais. Quando as temperaturas do oceano ficam demasiado elevadas, os pólipos de coral perdem as algas simbióticas dentro deles e ficam brancos, acabando por morrer.

 

Além disso, a tendência do aumento global da temperatura está também a produzir fenómenos climatéricos cada vez mais extremos e imprevisíveis: o aumento de tempestades tropicais poderá saldar-se em extensos estragos nos ecossistemas dos recifes e a subida repentina dos níveis do mar afigura-se uma séria ameaça para os recifes de coral e para todas as pequenas ilhas baseadas em atóis de recifes de coral.